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A
perda da dignidade humana foi mais forte nas mulheres do que nos homens e
algumas tiveram vergonha de falar disso
Primo
Levi, O dever de memória.
Aqui,
no Malomil, a Filipa Lowndes Vicente já falou das ceras de Anna Morandi
Manzolini (1714-1774). Não sei porquê (ou antes, sei: as semelhanças são óbvias…),
lembrei-me de fazer uma breve nota sobre Alina Szapocznikow (1926-1973).
Judia
polaca, Alina Szapocznikow passou
a adolescência presa nos ghettos e,
depois, nos campos de Auschwitz, Bergen-Belsen
e Theresienstadt. Após a guerra, estudou escultura e ganhou fama na Polónia natal, mas só quando se fixa em Paris,
nos alvores da década de sessenta, inicia um conjunto de trabalhos que
representam partes do seu próprio corpo: seios, maxilares, o peito ou o abdómen, pernas e
olhos. A partir de 1963, começa a trabalhar com materiais inovadores para a
época, como poliéster e poliuretano. Estes são os sucedâneos contemporâneos das
ceras de Anna Manzolini, que permitem a Alina Szapocznikow combinar um extremo realismo e uma desconcertante
apresentação das suas obras: partes do rosto em taças, seios sobre seios, lábios em candeeiros, fragmentos de
carne, “tumores personificados”. A materialidade do corpo é exposta de uma
forma que, nos nossos dias, já foi ensaiada por muitos. Na época, a sua
abordagem era – e ainda é, de certo modo – extremamente perturbadora. É óbvio
que o facto de ser mulher e, sobretudo, o facto de ser uma sobrevivente do
Holocausto auxiliaram a «composição» de uma narrativa sobre a sua obra e permitiram
digressões teóricas que falam da volatilidade da vida e do seu
absurdo. Hoje, o trabalho de Szapocznikow é relativamente «banal» e, não por
acaso, nem sequer é citado no instrutivo livro The Body in Contemporary Art, de Sally O’Reilly. O MoMA dedica-lhe
actualmente uma ampla retrospectiva, que cobre o período 1955-1972. Alina Szapocznikow morreu em França, em 1973,
vítima de um cancro. Tinha 47 anos de idade.
António Araújo
Uma versão laica dos ex votos?
ResponderEliminarHelena Matos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarObrigado, Helena. Realmente, nunca tinha pensado nessa possível afinidade com os ex-votos, enquanto representações de partes do corpo. Os ex-votos e as esculturas de Alina Szapocznikow tornam-se perturbadores justamente porque não mostram o corpo na sua totalidade, antes o exibem naquilo que é «fragmentável». Como, de resto, nas ceras anatómicas de Manzolini e em todas as peças usadas nas aulas de Anatomia. Há, no entanto, uma diferença de vulto: os ex-votos agradecem uma bênção ou formulam um pedido. Aqui, ao contrário, não há motivo algum para ter esperança.
EliminarAntónio Araújo
Eu fui transportado para as imagens em cera do Hospital dos Capuchos...
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