quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Safety Lube.

.. . .
.

.
.
.













Fotografias de João Cortes






Chuviscava hoje, abriguei-me lá. Estão aqui há muito tempo, nas traseiras da minha casa. Antes mesmo de eu morar na rua, antes sequer de eu existir no mundo. E já vão nisto há dezenas de anos, muitos. É casa aberta de terceira ou quarta geração. De pais para filhos, de avôs para netos, uma oficina de marcenaria. Com as contas em dia, muito trabalho feito. Provas dadas. Só não lhes peçam prazos de entrega, mas são cumpridores quanto aos orçamentos. Da sua honra em matéria de contas nada consta em desabono entre a vizinhança do bairro. No interior da oficina há contrastes de luz e sombras fortes – e, claro, muito pó acumulado. Entre o caos dos objectos, junto ao anjinho kitsch, uma lata de Safety Lube. A lubrificação segura, Pennsylvania Motor Oil. Essencial para que as máquinas funcionem, fazendo o raio de um barulho que é de bradar aos astros. Entretanto, as mãos sábias do Mestre percorrem madeiras e ferramentas. O Mestre, o centro da oficina. As latas da Penn Oil, a que agora é moda chamar “objectos icónicos”, andam por aqui há muitos anos. Em dias de sol ou de chuva, atravessaram vários governos e profundas crises socioeconómicas. Pelas latas icónicas até revoluções passaram, de mentalidades e das outras. Safety Lube, uma referência histórica. O lubrificante ideal para bloqueios de regime ou atritos político-institucionais.    


1 comentário:

  1. Também me lembro dessas instalações, quando há cerca de 20 anos tive a namorar o magnifico espaço apalaçado que agora é pertença, e muito bem, do Grande Toni. Na altura, vendo o telhado das oficinas, que confinam com as janelas do, agora, apartamento do Grande Toni, ouvi uma chinfrineira, mistura de frezas com metal, e pensei, "porra, aturar esta barulheira não deve ser fácil"
    Contudo porque da conjugação da magnífica prosa com as não menos magníficas fotos, nas quais a latinha de lubrificante assume contornos de verdadeiro objecto de culto, a que um anjinho estilo barroco ainda consegue dar mais exaltação, reconheço que só mesmo em Portugal (talvez que também em Nápoles ou nas Sicílias) é que umas instalações como aquelas, em que todas as regras de segurança e ruído são violadas há décadas, consegue permanecer ad eternum, numas traseiras de um Palácio, e, não obstante, reconhecer nessa mesma situação um toque poético (sagazmente puxado pelo António Araújo).
    MC

    ResponderEliminar