A
história que ides ouvir é cheia de encantamentos. Chegou das terras da Pérsia, país
que é hoje o Irão. Por isso, será verdadeira, ou não. Em boa das verdades,
tudo pode não passar de uma montagem, de artes de propaganda, ao invés de
reportagem, daquelas em que se narra uma história talqualmente ela aconteceu na realidade de
facto. A fonte da nossa história, advertimos, é tão fabulosa que tresanda a suspeita.
Os retratos vêm da ISNA, que em inglês se chama Iranian Students’ New Agency. Um jornal britânico de grande circulação publicou a história há coisa de um mês atrás. Mas daí, como é evidente, não decorre a sua fidedignidade.
Chamamos a atenção para o facto de, tirando a China, o Irão ser o país do mundo
onde todos os anos mais pessoas são condenadas à morte e, depois, executadas. Ainda em
Outubro passado, um condenado foi executado, a morte clinicamente declarada, mas regressou à vida numa morgue de Bojnurd. Não haviam os seus carrascos feito o competente
trabalho com a exigida e irreversível eficácia. E vá de decidirem que o rapaz,
com 37 anos, novamente haveria de ser sujeito à derradeira das penas.
É
outra, porém, a nossa história, bem mais edificante. Sucedeu no mês passado,
segundo parece. Aqui há atrasado, mais precisamente há sete anos, Balan, que
tinha 20 anos de idade, esfaqueou mortalmente Abdullah Hosseinzadeh, que tinha
18 anos de idade. Passou-se isso numa rixa ocorrida na vilória de Royan, que
fica na província de Mazandaran. Por delito de homicídio, Balan foi condenado à
morte e, em aplicação da lei lá deles, a sharia,
é a família da vítima que tem o sinistro privilégio de empurrar a cadeira que
sustenta o enforcado antes do instante fatal. A cadeira, que ali a vedes em
baixo, estava destinada a Balal, por breves minutos apenas. Entardecia. A
multidão aglomerava-se para assistir à morte iminente. Entre o povo ali todo ajuntado, estava até inclusive
a família do condenado. A mãe de Balan, o infortunado, que também a vedes,
envergava um fato-treino em poliéster, com duas riscas rubras. Uns façanhudos
com barba de três dias levaram então o rapaz à forca. Leram-lhe o veredicto. Nisto, a
mãe da vítima levanta-se. E que faz, a senhora? Prega uma valente bofetada na
cara do assassino, acompanhada de uma prédica de Direito Penal, proferida toda
na língua deles. Milagre, milagre, há
crocodilos no Árctico!, terá decerto pensado o vasto público presente. A história tem
outros ingredientes, estes oníricos. Não era o primeiro filho que aquela mãe
perdera. Antes de Abdullah, falecera Amirhossein, num acidente de moto, aos 11
anos de idade. Insiste-se: Abullah, esfaqueado, era o segundo filho que aquela mãe perdera.
Ainda assim, ao desejo de vindicta
sobrepôs-se o piedoso instinto, ditado segundo dizem por uns sonhos que lhe
acudiram ao espírito. Três dias antes da execução, confessou o marido à mídia, a
senhora sonhou com o filho. Disse-lhe este que, tirando uma valente dor de rins, estava
bem de saúde. E vivia, sem tirar nem pôr, no paraíso celeste. Para quê, então, a mortal
retaliação? Até o marido concordou, confessando à mídia que o homicida não era
mau rapaz de todo, apenas desconhecia como se maneja uma faca numa rixa
iraniana. Ali onde o vedes, o pai da vítima é aquele a quem, no final, a mãe do
condenado beija as mãos. Esse mesmo, igualzinho ao Veloso, antigo internacional
do SLB. As duas mães abraçam-se. O pai e a mãe da vítima vão ao ponto de ajudar a
retirar o baraço do pescoço de Balan, o homicida do seu filho. A multidão, que ali estava para presenciar um enforcamento de final de tarde, termina a aplaudir o gesto misericordioso. E Balan, que estava mesmo a ver a vida a
andar para trás, manifesta o seu alívio através de um tocante pranto. Ponham-se
no lugar dele, vá. Depois, porque o caso era, e é, sensacional, fizeram até uma reportagem com os Hosseinzadeh em
sua casa. Em cima da mesa, as fotografias dos dois filhos desaparecidos. No final
da história, por intercessão da misericórdia, só existe uma campa, lá onde poderiam estar duas. Falando em duas, duas pessoas são executadas por dia no
Irão.
Já conhecia a história, mas lê-la aqui teve outro sabor. Obrigada.
ResponderEliminarSe me permite, eu é que agradeço as suas amáveis palavras.
EliminarCordialmente,
António Araújo
As fotos estão tão boas que até parecem reais.
ResponderEliminarSe o Fellini ainda fosse vivo que filme ele não faria ou então para não se ter a maçada de ler as legendas pedir ao João César Monteiro para o fazer.
Mas este também já morreu.
Morre tanta gente que faz falta.