No Congresso de Paris de
1889, que criou a Segunda Internacional, foi aprovada por unanimidade uma
resolução condenando a guerra e os exércitos permanentes. A resolução assentava
em duas ideias que iriam fundamentar o debate interno da organização até 1914.
Em primeiro lugar, pressupunha-se que os interesses da classe operária eram
coincidentes onde quer que os seus membros se encontrassem e que estes nunca seriam
divididos por conflitos entre governos capitalistas. Em segundo lugar,
afirmava-se que os exércitos permanentes poderiam provocar guerras, enquanto a
existência de milícias nacionais, constituídas maioritariamente por
trabalhadores, seria um elemento a favor da paz. Um povo em armas saberia quais
as guerras justas e recusar-se-ia a combater quando assim não sucedesse. A
oposição do movimento operário à constituição de exércitos permanentes tinha ainda
uma outra razão de ser: enquanto esses exércitos poderiam ser usados pelos
governos para combater o movimento operário, uma milícia, esperava-se, nunca
poderia ser um meio fiável de repressão.
Este preconceito contra o
exército influenciou os socialistas alemães que apoiaram a política imperialista
e nacionalista de Guilherme II. Esta supunha um investimento maciço na marinha
imperial, na ânsia de alcançar a Royal
Navy, o que implicaria um menor crescimento do exército. Não esqueciam o
que Guilherme II afirmou em 23 de Novembro de 1891, em Potsdam, perante os
novos recrutas do exército: “Com as actuais maquinações socialistas, pode bem
acontecer que eu vos dê ordens para disparar sobre os vossos parentes, irmãos,
mesmo pais − possa Deus evitá-lo −, mas mesmo então devem obedecer à minha
ordem sem um murmúrio”.
A resolução aprovada no Congresso afirmava que “a guerra, produto fatal
das condições económicas actuais, não desaparecerá definitivamente senão com o
próprio desaparecimento da ordem capitalista”. Ou seja, lute-se primeiro pela
revolução, suprima-se o capitalismo, e obter-se-á a paz. Nesse caminho, a
própria guerra entre os Estados capitalistas seria um contributo importante na
luta pelo socialismo. Contudo, a mesma resolução continha um trecho onde se
proclamava que “a paz é a condição primeira e indispensável de toda a
emancipação operária”. Então, lute-se para evitar a guerra, pois a paz é
essencial para o advento revolucionário do socialismo. O que significa que o
movimento socialista internacional tudo deveria fazer para impedir o conflito.
Estas duas tendências contraditórias marcaram a atitude da Segunda
Internacional perante a guerra, desde a sua constituição.
A corrente maioritária da
Segunda Internacional, no entanto, pretendia tudo fazer para impedir a tragédia
do conflito militar e cumprir a palavra de ordem “guerra à guerra”, que viria a
ser adoptada em 1907. Contudo, em termos práticos enfrentava duas questões que
careciam de uma tomada de decisão: o que fazer para evitar a guerra? E o que
fazer quando, eventualmente, se desencadeasse um conflito? O movimento
socialista tinha a pretensão de que, se conseguisse definir uma posição forte e
credível, poderia, apenas pela ameaça do recurso às medidas que viessem a ser
decididas, impedir a guerra.
A Segunda Internacional,
contudo, nunca alcançou um consenso sobre os meios a utilizar para evitar a
guerra. Em vários congressos surgiram propostas para, em caso de ameaça séria
de eclosão do conflito, todos os partidos socialistas e todos os sindicatos
socialistas decretarem uma greve geral multilateral. Essas propostas foram
apresentadas quer por um socialista revolucionário, como o francês Édouard
Vaillant, quer por um pragmático inglês, como Keir Hardie. Em França, Jean Jaurès
transformou a questão da guerra no seu grande combate político, o que fez com
que fosse considerado “o campeão da paz”, epíteto que lhe custaria a vida em Agosto
de 1914. Num Congresso da S.F.I.O., defendeu uma política activa contra a
guerra “por todos os meios desde a intervenção parlamentar, à agitação pública,
às manifestações populares, até à greve geral dos trabalhadores e a
insurreição.”
A primeira reunião da
Segunda Internacional em solo alemão realizou-se em 1907, em Estugarda. O
francês Gustave Hervé foi uma das figuras marcantes do Congresso. Socialista revolucionário,
defendia que o único conflito que poderia trazer benefícios para os
trabalhadores seria a guerra social, pelo que rejeitava a legitimidade da
própria guerra defensiva e sustentava que a única reacção permitida aos
socialistas seria a insurreição pela greve geral. Atraiu para a sua causa
anarquistas, sindicalistas e socialistas revolucionários que, até 1912,
formaram um grupo minoritário, mas extremamente aguerrido, dentro da S.F.I.O.
Quando Gustave Hervé propôs, em Estugarda, que qualquer declaração de guerra
deveria confrontar-se com a revolta dos trabalhadores e a greve geral, os
socialistas alemães, que dispunham de duzentos e oitenta e nove delegados,
rejeitaram que a discussão sobre o tema da guerra fosse retomada, devido ao
facto de a mesma questão já ter constado da agenda de anteriores congressos. O
socialista revolucionário francês Jules Guesde subscreveu esta posição, no que
foi seguido pelo grupo minoritário dos delegados franceses. O argumento formal
invocado voltava a assumir a iminência da revolução: nada seria necessário
fazer antes da vitória do socialismo e esta tornaria caduca a discussão por
eliminar a possibilidade da guerra. Jean Jaurès, Lenine e Rosa Luxemburgo,
estes últimos sob a influência da revolução russa de 1905, opuseram-se, mas o
peso do S.P.D. dominava o Congresso. Um delegado alemão chegou a afirmar que “não
nos podemos permitir adoptar métodos de luta que podem comportar graves
consequências para a vida do partido e até, em certas circunstâncias, para a
própria existência do partido.”
É curiosa a conjunção das
posições de Jaurès e dos mais radicais, mas a verdade é que, na questão da
guerra. Jaurès apresentava-se então como um radical. Mas também se deve ter em
conta que, se as posições eram idênticas, as motivações seriam bem distintas.
Para Jaurès, o efeito de uma resolução radical devia ser preventivo, ou seja, destinar-se-ia
a assustar os governos e a impedi-los de embarcar numa aventura bélica. Lenine
não pensaria da mesma forma. Segundo Hannah Arendt, Lenine extraiu dois
ensinamentos da sua análise do processo revolucionário russo de 1905: em
primeiro lugar, ao contrário do que defendia o marxismo oficial, a revolução
surgira num país não industrializado, sem um movimento socialista forte apoiado
nas massas operárias; em segundo lugar, a revolução fora uma consequência directa
da derrota russa na guerra com o Japão. Daí retirou duas conclusões que seriam
decisivas para a história do século XX: não seria necessária uma grande
organização para fazer a revolução, antes bastaria para tomar o poder um
pequeno grupo bem organizado, com um líder que soubesse o que queria; uma vez
que as revoluções resultavam de circunstâncias e acontecimentos que ninguém
podia, à partida, controlar, as guerras seriam bem-vindas porque podiam ser
elas a substituir ou a apressar a derrocada económica do capitalismo que Marx
previra. Com a guerra, as perspectivas da revolução tornar-se-iam bastante
animadoras. Lenine tê-lo-á compreendido em profundidade porque leu a obra “A Alemanha
e a Próxima Guerra” do general alemão Friedrich von Bernhardi. Aí se reflectia
sobre as características de um conflito que envolvesse exércitos de massas
modernos. Estas forças militares tornariam o problema da condução da guerra bem
mais complexo, porque, entendia von Bernhardi, o controlo dos combatentes seria
muito mais delicado:
“... se grandes massas escapam ao controlo do
alto comando, se o espírito de insubordinação se espalha entre as tropas,
nesses casos não só as massas se tornam incapazes de resistir ao inimigo, como
se transformam num perigo para elas próprias e para o comando do exército: (...)
Em tais condições, é natural que sejam tomadas disposições para pôr rapidamente
termo à guerra logo que ela rebente e para suprimir imediatamente a enorme
tensão que provoca o levantamento em massa de nações inteiras.”
Entretanto,
durante o Congresso de Estugarda procurou-se, como já era hábito, uma solução
de compromisso. Foi criado um subcomité que deveria determinar qual a acção a
adoptar na iminência da guerra, acção que seria a expressão unânime da opinião
socialista. Assim, foi apresentada ao Congresso uma resolução que contentava um
pouco todos sem satisfazer integralmente ninguém. Nela, a guerra era
considerada inerente ao sistema capitalista e ausente, por natureza, numa
sociedade socialista. Entretanto, enquanto não fosse instaurada a sociedade
socialista, os partidos socialistas deveriam usar os meios parlamentares para
pressionar a redução de armamento e a abolição dos exércitos permanentes.
Competiria à Segunda Internacional, como grande órgão do socialismo mundial,
coordenar as actividades de todos os partidos socialistas. Por último, a
questão da atitude a tomar na iminência da guerra era abordada da seguinte
forma: “é dever da classe operária e dos seus representantes parlamentares
(...) fazer tudo para prevenir a eclosão da guerra pelos meios que se afigurem
mais eficazes, que naturalmente são diferentes em função da intensificação da
luta de classes e da situação política geral”. Evitava-se, assim, qualquer
referência à greve geral, sem excluir a sua possibilidade. A resolução
terminava com uma passagem que se ficou a dever a Lenine e a Rosa Luxemburgo,
onde se previa que, na eventualidade da guerra, os socialistas teriam o dever
de usar todos os meios para mobilizar o povo para derrubar o capitalismo. A
resolução foi aprovada unânime e entusiasticamente. Celebrou-se, com ênfase
espectacular, o facto de o movimento socialista internacional declarar “guerra
à guerra”.
Em 1910, o
Congresso da Segunda Internacional realizou-se em Copenhaga, depois de anos
agitados em que a competição naval entre o Reino Unido e a Alemanha atingira o auge
e em que o Império Austro-húngaro revelara as suas tendências expansionistas
nos Balcãs, ao anexar em 6 de Outubro de 1908 a Bósnia e a Herzegovina. Foi
neste Congresso que as diferenças nacionais mais se manifestaram entre os
socialistas. Os delegados sérvios e austríacos envolveram-se em ferozes
acusações mútuas e os alemães demonstraram claramente a sua desconfiança em
relação aos delegados do Partido Trabalhista inglês, recém-admitido na
organização, que tinha apoiado a política de construção naval do governo
liberal.
Entre os
dois congressos, a S.F.I.O. e os sindicalistas franceses, sob a influência de
Jean Jaurès e dos anarquistas, tinham adoptado a ideia do recurso à greve
geral. Jaurès defendeu, então, a greve geral bilateral, a decidir pelos
dirigentes socialistas e sindicais alemães e franceses. No entanto, essa
posição perdeu viabilidade quando de seguida, no Congresso de Copenhaga, a
quase totalidade dos delegados alemães a recusou, com o argumento de que a
greve geral teria mais sucesso onde a classe operária fosse mais numerosa e
estivesse melhor organizada, ou seja, na Alemanha, o que, no seu entender, no
decurso da guerra favoreceria decisivamente a França e, no caso de um conflito
mais alargado, a autocrática Rússia. Naturalmente, perante a rejeição alemã, a
maioria dos delegados franceses votou contra a posição que as suas organizações
tinham aprovado a nível interno.
Mas os
Congressos de Estugarda e de Copenhaga revelaram, acima de tudo, a incapacidade
dos socialistas para se unirem e alcançarem uma posição de força que
condicionasse as decisões governamentais sobre a guerra. Deve dizer-se que
muitos socialistas tinham perfeita consciência de que a adopção da greve geral
internacional não tinha qualquer hipótese de ser utilizada eficazmente, devido
às características da própria organização. A Segunda Internacional como
organização permanente era, na prática, inexistente. Ao contrário do que
sucedia na Primeira Internacional, não fora criada uma estrutura centralizada.
Os poderes de coordenação do movimento socialista internacional eram
assegurados pelos congressos internacionais, que se reuniam, em regra, de três
em três anos. As resoluções aí aprovadas, fruto de sínteses de soluções heterogéneas
e de métodos de acção política, definiam orientações para os partidos filiados.
Mas os congressos evitavam cuidadosamente interferir nas actividades de cada
secção nacional, tornando a organização, para além das grandes proclamações,
impotente.
Para
qualquer decisão ser eficaz era necessário, acima de tudo, que as acções dos partidos
socialistas e dos sindicatos fossem coordenadas e que a sua execução fosse
simultânea em todas as principais potências envolvidas num potencial conflito.
Ou seja, era necessário que houvesse uma actuação de um agente com capacidade
de decisão e com poder de execução. Mas os socialistas nunca conseguiram, nem
na verdade tentaram, atingir esse nível de coesão internacional.
Os congressos
da Segunda Internacional terminavam sempre em clima de euforia, suscitada pela
aparente solidariedade entre os socialistas e os operários de todo o mundo, que
fazia esquecer que os partidos socialistas, apesar de adquirirem um peso
eleitoral crescente, continuavam a ser minoritários e a não participar
abertamente no jogo político, nomeadamente porque rejeitavam integrar alianças
partidárias que permitiriam governar. Entretanto, algumas vitórias eleitorais
contribuíam para convencer os socialistas que tinham de ser ouvidos pelos
governantes. Assim aconteceu em 1912, quando o S.P.D. obteve um triunfo espectacular,
alcançando cento e dez lugares no Reichstag
devido ao facto de um em cada três alemães nele terem votado. É certo que o seu programa estava virado
exclusivamente para questões internas, mas a força da classe operária alemã
parecia irresistível.
Foi precisamente
em 1912 que Gustave Hervé, o socialista revolucionário que em Estugarda defendera
a insurreição operária em caso de guerra, mudou por completo de posição.
Hervé dissolveu o seu grupo radical
quando compreendeu que os socialistas alemães e austríacos nunca convocariam
uma greve geral insurreccional. O que significava que, se a greve fosse
decretada unilateralmente em França, a derrota seria inevitável. Sendo inviável
uma greve geral multilateral, pensou Hervé, havia que pôr a pátria em primeiro
lugar, de tal modo que em Julho de 1914 proclamará que “o nosso patriotismo
revolucionário será o grande recurso e a suprema salvação da pátria em perigo”.
Gustave Hervé é o primeiro símbolo da transição socialista do pacifismo
internacionalista para um nacionalismo belicista. Mais tarde, um certo Mussolini
seguir-lhe-á os passos.
Quando
August Bebel morreu, em 1913, foi substituído no S.P.D. por novos dirigentes
formados dentro da máquina partidária e habituados às práticas políticas do
regime, com uma maior tendência para o compromisso. Nesse mesmo ano, enquanto
no Congresso do S.P.D. Rosa Luxemburgo e o seu grupo minoritário reclamavam de
novo uma tomada de posição sobre a acção direta e a greve geral, o que foi
rejeitado pela maioria, os parlamentares socialistas alemães votaram no Reichstag a favor de uma reforma fiscal
que tinha como principal objectivo financiar as crescentes despesas
militares.
Em Novembro
desse ano de 1913, reuniu-se em Basileia mais um Congresso da Segunda
Internacional, onde se encontraram quinhentos e cinquenta e cinco delegados de
vinte e três partidos socialistas. Foi uma reunião, uma vez mais, banhada por optimismo
e confiança na paz universal. Mas tudo o que dissesse respeito a meios para
alcançar os fins propugnados permaneceu envolto em indecisões e incertezas. Nada
se acrescentou quanto a acções concertadas a nível internacional. O optimismo,
no entanto, ainda parecia imperar. Na Primavera de 1914, Jean Jaurès terá dito
a um amigo que não havia motivo para preocupações, porque “os socialistas
cumprirão o seu dever (...) quatro milhões de socialistas alemães
levantar-se-ão como um só homem e executarão o Kaiser se este quiser começar
uma guerra”. Em 16 de Julho de 1914, o Congresso da S.F.I.O. aprovou uma moção
na qual se afirmava que,
“... entre todos os meios de antecipar e de prevenir a guerra e forçar
os governos à arbitragem, a greve geral dos trabalhadores organizada simultânea
e internacionalmente nos países em causa é um meio particularmente eficaz e é
mesmo a mais activa das formas de agitação e de acção popular.”
Mas a
Segunda Internacional não conseguiu estabelecer um mecanismo institucional de
coordenação das acções do movimento operário. Ora, sem esse mecanismo não se
dispunha da capacidade para organizar uma acção concertada internacional, a
desencadear simultaneamente. Os líderes socialistas confiaram, porventura, na
eficácia da ameaça como meio de dissuasão, mas não criaram as condições mínimas
para que essa ameaça fosse credível. Não havia, por isso, motivos para optimismo.
Então como
hoje, sem União Europeia ou com União Europeia, na antecâmara da guerra ou no boudoir da crise financeira, o
socialismo caseiro só é internacionalista quando espera dos outros a solução
para os problemas que não consegue resolver.
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