Em 29 e 30 de Julho de 1914 reúne-se, em Bruxelas, o Secretariado Socialista
Internacional, onde comparecem alguns grandes nomes do socialismo europeus.
Estavam presentes, entre outros, Vandervelde, Jean Jaurès, Victor Adler, Rosa
Luxemburgo e Keir Hardie. O austríaco Victor Adler deu ali a entender que o seu
partido não poderia contrariar o entusiasmo com que as massas populares
encaravam a guerra. Para Adler era “preferível
estar errado mas ao lado da classe operária, do que estar certo contra ela”.
Nenhuma acção prática foi decidida. Marcou-se novo congresso para Paris em 9 de
Agosto, que, por razões óbvias, não veio a ter lugar.
No regresso aos seus países, os socialistas alemães e franceses entraram
em contacto com os respectivos governos. O alemão Hugo Haase foi recebido pelo
Ministro do Interior, a solicitação deste. Jaurès tenta encontrar no Parlamento
o Ministro do Interior francês e consegue ser recebido pelo Subsecretário de
Estado dos Negócios Estrangeiros, Abel Ferry (que será das últimas vítimas da
guerra, em Setembro de 1918). Depois da audiência, Jaurès dirige-se ao jornal
do partido, o L´Humanité, onde
discutiu a situação política, encaminhando-se de seguida a um restaurante para
jantar. Durante a refeição no Café du
Croissant foi alvejado por um desequilibrado, Raoul Villain, que o acusava
de traição, falecendo no local.
Segundo o testemunho de um colega deputado, Pierre Dupuy, prestado ao Le Monde em 1958, antes de se dirigir
à sede do L´Humanité Jaurès teria conversado com uma dezena de
parlamentares, tendo então revelado que fora informado de que os socialistas
alemães e austríacos obedeceriam à ordem de mobilização geral, pelo que nessa
mesma noite iria escrever um artigo a que daria o título “En Avant!”, no qual defenderia a posição do Governo francês. Mas
Pierre Renaudel, que assistiu à audiência com Abel Ferry, relatou que, quando Jaurès afirmara que denunciaria a política de guerra, Ferry se teria
limitado a responder “Mais, mon pauvre
Jaurès, on vous tuera au premier coin de rue!”.
Jean Jaurès
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O homicídio de Jaurès gerou grande tensão nos meios socialistas e no
Governo, este ansioso pela possível reacção popular. O Primeiro-Ministro
Viviani emitiu então um apelo à calma: “... o
governo conta com o patriotismo da classe operária e de toda a população para
manter a calma” e prestou homenagem ao “republicano
socialista que lutou por causas tão nobres e que, nestes dias difíceis, no
interesse da paz, apoiou com a sua autoridade a acção patriótica do Governo.”
No dia seguinte, 1 de Agosto, foi anunciada a mobilização geral. Nesse
mesmo dia, no seu jornal La Guerre
Sociale, o antigo defensor da insurreição operária, Gustave Hervé,
apresentaria três títulos de primeira página:
DEFESA NACIONAL EM PRIMEIRO LUGAR
ASSASSINARAM JAURÈS
NÓS NÃO ASSASSINAREMOS A FRANÇA
O funeral de Jaurès, em 4 de Agosto, teve assistência diminuta. A sua
morte não gerou nenhuma manifestação nem qualquer alteração da ordem pública.
Houve profunda emoção, mas esta surgiu mais como uma marca da impotência
perante a evolução dos acontecimentos, já profundamente interiorizada na
consciência dos franceses. As exéquias do grande tribuno, do “campeão da paz”,
seriam consideradas a primeira manifestação da União Sagrada.
O Governo compreendeu. O Ministro do Interior telegrafou aos dirigentes
policiais locais, determinando que as medidas do Carnet B, que previam o encarceramento preventivo de vários líderes
socialistas e sindicalistas, não fossem aplicadas, por desnecessárias.
Na Alemanha, depois de aturadas discussões em que a tudo se sobrepunha o receio de o primeiro ataque partir da Rússia, depois de uma audiência de dirigentes socialistas com o chanceler Bethmann-Helweg em 3 de Agosto, dia em que a Alemanha declarou guerra à França, depois de um enviado do S.P.D. ter atingido Paris e apurado que os seus congéneres franceses apoiariam o seu governo se a França fosse atacada pelos exércitos alemães, depois de tudo isso, enfim, no dia 4 de Agosto o S.P.D. votou a favor da proposta do Governo:
.
“... trata-se de dissipar esta
ameaça, de garantir a civilização e independência do nosso país. Aplicamos um
princípio sobre o qual sempre insistimos: não abandonamos a nossa pátria na
iminência do perigo.”
O mais poderoso partido socialista do mundo, uma organização política
que programaticamente se afirmava inspirada por princípios revolucionários,
juntava os seus votos aos dos outros partidos, na aprovação unânime de uma lei
essencial para o esforço de guerra alemão. Curiosamente, aquelas palavras foram
proferidas no Parlamento por Hugo Haase, um dos poucos sociais-democratas que
queriam votar contra o novo orçamento. E bastaram para que o Governo declarasse
a Burgfriedenpolitik, uma trégua que
supunha a ausência de críticas à governação e à condução da guerra e a
inexistência de greves.
Hugo Haase
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Também os socialistas austríacos apoiaram o seu Governo, aproveitando
esse momento para declarar a sua solidariedade com os operários de todo o mundo
e mesmo para “com os sociais democratas
da Sérvia”. A S.F.I.O., por seu turno, não hesitou quando se tratou de
votar o orçamento de guerra. Logo após o início da guerra, quatro dirigentes
socialistas franceses, Jules Guesde (este, que era radical e gostava de se
apelidar marxista, o que levou Karl Marx a afirmar, em 1883, “o que é certo é
que eu não sou marxista”, acabou Ministro sem pasta em 1914), Marcel Sembat
(ministro de 1914 a 1916, o seu chefe de gabinete foi um tal Léon Blum), Jean
Longuet (neto de Marx, Charles Maurras chamava-o de “quarto de boche”) e Édouard
Vaillant, aos quais se juntou o belga Émile Vandervelde, enviaram ao
Secretariado Socialista Internacional um manifesto:
.
“Os trabalhadores, destituídos
de qualquer pensamento de agressão, estão certos de defender a independência e
a autonomia da nação contra o imperialismo alemão, de defender o direito dos
povos a disporem de si mesmos (...). Consideram que o progresso social passa
previamente pela defesa da pátria.”
Em 1 de Agosto, a secção britânica da Segunda Internacional pedia, em
manifesto, que se realizassem “amplas
manifestações contra a guerra” e acrescentava que “a
vitória da Rússia, no momento atual, seria uma maldição para o mundo”.
Poucos dias depois, a 5 de Agosto, realizou-se de emergência uma
conferência das organizações operárias
britânicas, que se limitou a “tomar uma
série de resoluções sobre as medidas destinadas a diminuir a miséria que a
guerra iria trazer à classe operária”. O Partido Trabalhista apoiaria
maioritariamente a guerra. A 24 de Agosto de 1914 os trabalhistas ingleses
anunciaram “tréguas industriais” e a 29 a direcção do partido aprovou uma
resolução que importava a participação na campanha de recrutamento. Entretanto,
o seu líder Ramsay Macdonald, encontrando-se em minoria, demitiu-se, sendo
substituído por um defensor do esforço de guerra, Arthur Henderson. Mais tarde,
MacDonald seria Primeiro-Ministro em dois governos trabalhistas e num National
Government, de 1931 a 1935, totalmente dominado pelos conservadores, onde se
limitava a ser uma presença simbólica. O novo líder, Henderson, viria a ser, em
1916, o primeiro trabalhista com um cargo governamental, como ministro sem
pasta. No entanto, em Agosto de 1917 passou-lhe pela cabeça propor ao Cabinet que fosse permitido enviar
delegados ingleses a uma conferência de paz internacional que se iria realizar
em Estocolmo. O Primeiro-Ministro Lloyd George opôs-se ferozmente, forçando-o a
demitir-se. Em 1934 seria compensado com a atribuição do Prémio Nobel da Paz.
Apenas na Sérvia e na Rússia os socialistas, sem qualquer peso
parlamentar, se mantiveram intransigentemente pacifistas e condenaram a ação
dos seus governos. Lenine chegou a defender posições “derrotistas”, entendendo
que tudo era preferível à vitória da Rússia, que seria, inevitavelmente, um
sucesso do czarismo. Mesmo assim, na Rússia houve algumas excepções notáveis,
como a de Plekhanov, o pai do marxismo russo (mais tarde, viu na revolução de
Fevereiro a antecâmara de um regime democrático burguês, que anunciava a
vitória do socialismo, e instaria Kerensky a tomar fortes medidas repressivas
contra os bolcheviques que deitariam tudo a perder por querer a revolução já
contra todas as leis do materialismo histórico).
Pietr Kroptokine
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Também o velho anarquista Kropotkine, nascido em 1840, depois de um
intensa vida de combate revolucionário, acabou apoiando a intervenção russa,
mas em 1917, quando foi convidado para integrar o Governo provisório como
Ministro da Educação, recusou por tal ser contrário aos princípios anarquistas.
Veio a falecer em 1921. No seu funeral proferiu um discurso uma sua grande
amiga, a americana Ema Goldman, que em 1917 tinha organizado no seu país a No Conscription League, porque “os
anarquistas opõem-se à conscrição: somos internacionalistas, antimilitaristas e
opomo-nos a todas as guerras dos governos capitalistas”. Assim, também o
movimento anarquista se dividiu: o momento mais grave surge quando Kropotkine, o
francês Jean Grave, o holandês Christiaan Cornelissen, o japonês Sanshiro
Ishikawa assinam o Manifeste des Seize
em 1916, advogando a vitória dos Aliados em nome do movimento anarquista. Para
tornar a iniciativa ainda mais difícil de engolir para muitos correlegionários,
o manifesto foi publicado num jornal socialista pró-guerra, o La Bataille.
Como foi isto possível? Como foi possível que estes revolucionários,
quantos deles perseguidos e encarcerados por muitos anos pelos Estados cujo
direito a fazer a guerra agora defendiam, pudessem ter mudado assim de posição?
Acontece que, desde há muitos anos, esses Estados estavam, nas palavras de Eric
Hobsbawm, a “travar uma guerra
silenciosa pelo controlo dos símbolos e dos ritos da raça humana no interior
das fronteiras nacionais”. E estavam a ganhar essa guerra.
José Luís Moura Jacinto
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