Charles Darwin (1809-1882)
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A passagem
de Charles Darwin pelos Açores em 1836, a bordo do Beagle,
é bem conhecida e tem sido amplamente estudada, assim como a correspondência
mantida com o cientista português Francisco de Arruda Furtado (1854-1887). O
diário que Darwin escreveu no Beagle
já foi publicado entre nós, existindo mesmo um livrinho, profusamente anotado,
com o título Darwin nos Açores. Diário pessoal com comentários,
organizado por José Nuno G. Pereira e Verónica Neves, igualmente autores da
tradução que a seguir se transcreve, tendo sido selecionados apenas alguns
trechos.
De manhã
estávamos ao largo da ponta Este da ilha Terceira, e ao início da tarde
alcançámos a cidade de Angra.
A ilha é
moderadamente elevada e possui um contorno arredondado, com colinas cónicas dispersas,
de evidente origem vulcânica. A terra está bem cultivada e dividida em campos
rectangulares separados por paredes de pedra, que se estendem da beira-mar até
bem alto nas colinas centrais.
Há poucas ou
nenhumas árvores, e nesta altura do ano a terra amarelada pelo restolho dá um
aspecto queimado e desagradável a este cenário. Encontram-se pequenas povoações
e casas caiadas isoladas dispersas por toda a parte.
À tarde
alguns de nós foram a terra; achámos a pequena cidade muito cuidada, com perto de
10.000 habitantes, cerca de um quarto total da ilha.
Não existem
lojas e são poucos os sinais de actividade, com excepção do intolerável ranger
de um ocasional carro-de-bois.
As igrejas
são muito respeitáveis e existiam antigamente muitos conventos, mas Dom Pedro
destruiu vários; mandou arrasar três conventos de freiras e concedeu permissão
às freiras para se casarem, o que, exceptuando algumas das mais velhas, foi
aceite com agrado.
Angra foi
inicialmente a capital de todo o Arquipélago, mas actualmente possui apenas uma
divisão de ilhas sob seu governo, e a sua glória desapareceu.
A cidade é
defendida por um forte castelo e uma linha de canhões que circunda a base do
Monte Brasil: um vulcão extinto com flancos inclinados, com vista para a
cidade.
(…)
No dia
seguinte, o Cônsul cedeu-me gentilmente o seu cavalo e forneceu-me guias para
nos deslocarmos a um local, no centro da ilha, que era descrito como uma
cratera activa.
(…)
Gostei do
passeio do dia, apesar de não ter visto muitas coisas que valham a pena: foi
agradável conhecer um tão grande número de camponeses encantadores; não me
lembro de ter estado perante um grupo de homens mais elegantes, com tantas
expressões agradáveis e bem-humoradas.
Os homens e
os rapazes estavam todos vestidos com casacos e calças simples, sem sapatos nem
meias; as suas cabeças parcialmente cobertas por uma pequena carapuça de pano
azul com duas orelhas e uma bordadura vermelha, que levantavam da forma mais
cortês à passagem de cada estranho.
As suas
roupas, apesar de muito esfarrapadas, estavam particularmente limpas, assim
como as suas pessoas; foi-me dito que, em quase todas as casas de campo, um
visitante dorme em lençóis brancos e janta com um guardanapo limpo.
Cada homem
traz na sua mão um bordão de cerca de 6 pés de altura [2 metros]; colocando uma
faca comprida em cada extremidade, podem transformá-lo numa arma formidável.
O seu
aspecto rosado, olhos brilhantes e postura erecta, dava-lhes uma imagem de
elegantes camponeses; quão diferentes dos portugueses do Brasil.
Grande parte
dos que hoje conhecemos trabalha nas montanhas, recolhendo lenha.
Uma família
inteira, do pai ao rapaz mais novo, pode ser vista carregando o seu molho à
cabeça para vender na cidade. Os seus fardos eram muito pesados; este trabalho
árduo e o aspecto esfarrapado das suas roupas sugeriam claramente pobreza.
Contudo, disseram-me que não é pela necessidade de comida, mas de todos os
luxos, um caso paralelo ao do Chile.
Por este
motivo, apesar da terra não estar toda cultivada, muitos estão a emigrar para o
Brasil, onde o contrato a que estão sujeitos difere pouco da escravatura.
É de
lamentar que uma população tão encantadora deva sentir-se compelida a deixar
uma terra de abundância, onde todo o tipo de alimento – carne, vegetais e fruta
– é extremamente barato e muito abundante; mas o trabalhador apercebe-se que o
seu trabalho é proporcionalmente pouco valorizado.
(…)
A ilha de
São Miguel é consideravelmente maior e três vezes mais populosa, gozando de um
sistema de trocas mais extenso que a Terceira.
A principal
exportação é a fruta, para a qual chega anualmente uma frota de navios; apesar
de várias centenas de navios estarem carregados com laranjas, em nenhuma das
ilhas estas árvores aparecem em grandes números. Ninguém adivinharia que seria
este o grande mercado [produtor] das
inúmeras laranjas importadas por Inglaterra.
São Miguel
tem muito o mesmo aspecto de campos abertos semi-verdes e retalhados de
cultivos que a Terceira. A cidade é mais dispersa; as casas e igrejas, ali e ao
longo dos campos, estão caiadas de branco, e à distância parecem arrumadas e
bonitas.
A terra por
detrás da cidade é menos elevada que na Terceira, mas mesmo assim eleva-se
consideravelmente; é espessamente salpicada, ou mais exactamente, composta por
pequenos montes mamiformes, cada qual um vulcão activo em tempos idos.
No
espaço de uma hora, o barco regressou sem cartas; então colocámo-nos bem ao
largo de terra, e rumámos, graças a Deus, directamente a Inglaterra.
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