domingo, 12 de março de 2017

Um pirata na Argélia.







Argel, 26 de Julho de 2016
 
De José Manuel Fernandes, No Observador (Macroscópio) de hoje
Uma redacção de uma revista satírica. Um clube nocturno. Um aeroporto. Uma avenida cheia de gente. Uma festa de Verão. E agora uma igreja. Nestas terríveis semanas que estamos a viver acordamos a perguntar “Onde vai ser hoje?”, adormecemos sem saber em que lugar aquela noite se pode transformar num pesadelo. E o pior é que, para além dos que propõem leituras simples que quase sempre são erradas, não sabemos o que pensar. E o pior é que temos a percepção de que as autoridades, os nossos eleitos, os nossos políticos, não sabem o que fazer e ainda menos o que dizer, pois quase só proferem inanidades que nada adiantam…”
 
No fim do século XIX, princípio do XX, com inspiração lateral de movimentos vários – socialista, marxistas, anarquistas, carbonários, maçons, saladas ideológicas diversas – ganhou força uma corrente que se designou por nihilista (ou niilista para quem gosta de acordos ortográficos). Esta corrente que foi teorizada por filósofos e pensadores distintos, em termos brutos condena a ordem existente, não procurando directamente substituí-la por nenhuma outra. Daí no fundo o seu significado etimológico buscado na palavra latina nihil, que significa "nada”.
Se nos lembramos um pouco, com base neste conceito – destruição da ordem existente – nesses tempos representada pelo poder instituído – Casas Reinantes, Presidentes – deram-se em relativamente poucos anos uma série de assassinatos célebres: Alexandre II da Rússia em 1881, Presidente Francês Sadi Carnot em 1894, Stefan Stabolov, 1º ministro búlgaro em 1895, Antonio Canovas del Castillo, 1º ministro espanhol em 1897, a Imperatriz da Áustria (Sissi) em 1898, Umberto I, Rei de Italia em 1900, Alexandre I da Sérvia e a Rainha Draga, sua mulher, em 1903, Rei D. Carlos I de Portugal e o Príncipe Herdeiro, Luís-Filipe, em 1908, Primeiro-Ministro Russo, Piotr Stolipyn, em 1911, Rei Jorge I da Grécia em 1913, Arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria-Hungria e sua mulher em 1914, Jean Jaurès, socialista francês no mesmo ano. Para citar os mais conhecidos.
Todos estes assassinatos foram perpetrados, em grande medida, por grupos autónomos, ou lobos solitários, sem ligação nenhuma entre eles, com excepção desta ideia de luta contra uma ordem existente.
No fim triunfaram os assassinos? Pode-se dizer que em parte sim.




 A sucessão de perturbações, de que estes assassinatos foram a espoleta ou aberração, conduziu como consequência principal à 1ª guerra mundial, à mudança de regimes (Portugal é um exemplo), ao fim de Impérios, à proliferação de novos Países sobre ruína de outros.
Poder-se-ia continuar com outos exemplos mas o paralelo histórico que queria estabelecer e acho significativo, está feito.
O problema a que estamos a assistir é muito semelhante: não há ligação física, sequer de conhecimento, entre os autores dos vários atentados. Há uma constante ideológica: fazer mal à maneira de estar ocidental. E todos os lobos solitários ou células mais ou menos organizadas são como microorganismos cancerígenos que despertam e atacam. Estão dentro de nós adormecidos e um dia acordam.
O remédio é semelhante ao do cancro: prevenção, verificação do que o pode despoletar (amianto, tabaco…) e uma vez descoberto erradicação imediata por todos os meios.





Sem me querer alongar muito vou falar da prevenção.
O meu Senhorio aqui na Argélia, muçulmano, um velhote espevitado que tem oitenta anos que parecem sessenta, viajado, com filhos empresários em França, bem relacionado, toda a vida tendo trabalhado para a Shell e ganho muito dinheiro com isso, fala muito comigo. Representa uma síntese conseguida dos dois mundos, muçulmano e ocidental.
E é inevitável que todos estes acontecimentos sejam motivo de conversa. E ouço as suas opiniões sem as comentar.
Hoje, como de costume, veio ter comigo, sentou-se dez minutos na sala de reuniões e mostrou-me o que eu já desconfiava.
Vou contá-lo por minhas palavras e pelo que senti à medida que ele falava.
Imaginem países que pela sua própria ordem natural, leis, costumes, entendem que, mais importante que as leis dos homens, são as leis Divinas plasmadas num livrinho que é tido como sagrado (permitindo embora interpretação humana disfarçada sobre a forma de mandamento religioso – a fatwa). O enquadramento social, a maneira de pensar de se comportar são assim vistos como produto de um ensinamento que está para lá deste Mundo, sendo assim superior a este. Para garantir que assim é a mesquita, a madrassa, garantem a correcção ideológica e o apoio social. O policiamento ideológico, social, sociológico é intrínseco a todo este processo.
Depois a relação familiar é entendida como dominante a qualquer outra. As lealdades familiares são fortíssimas. A vida é feita em conjunto, numa promiscuidade estranha com uma separação de sexos activa.
Percebem a mente fechada que isto proporciona?




Agora, exterior a todo este mundo, temos o Ocidente iconoclasta, libertador, cultivando galanterias, costumes individualistas, hedonismo e erotismo. Que não é só de agora. Em diferentes épocas, existiu de forma diferente. Ocidente que cria em contínuo, impulsionando sempre mais e mais, o saber.
A somar a esta diferença uma persistente (e inevitável) pobreza do geral dos muçulmanos
Peguemos então num miúdo oriundo mentalmente desta cultura que não permite a evolução, mas que cresce em sociedades ocidentais, necessáriamente desintegrado em relação aos “brancos” que têm o espírito aberto.
Lembrem-se daquele vosso colega do Liceu, filho de pobre Pais operários, mal vestido, olhando com ar meio estupidificado o resto da turma e afastado do convívio dos outros. Eu tenho uma ideia do que estava comigo no 7º ano, de que nem sei o nome, e que, quando todos nós escolhíamos engenharia, medicina, ele queria ir para meteorologista.
Agora, em vez do meteorologista, ponha o filho de pais islâmicos que lhe ensinam, sem sombra de dúvida, que o mundo se divide entre muçulmanos e infiéis, que estes merecem a morte como está, indiscutívelmente, escrito no Corão (bem como o seu contrário… depende do que se lê…).
Aos 19 anos, se tiver mau fundo, a carga de ódio que arrasta em si é enorme. Se essa carga de ódio for santificada concebem a maldade que daí pode advir?
O meu Senhorio muçulmano classificava-os: “Sont des voyous monsieur!
E a seguir disse-me: O que eu vi ontem, a Michelle Obama a discursar na campanha de Hillary Clinton, seria impensável na Argélia ou em qualquer País muçulmano. Alguém aqui ser capaz de pensar acima dos seus próprios interesses e ser capaz de falar pela sociedade
Ou seja: a própria agregação é quase impossível, o que apenas faz os “terroristas” mais perigosos, porque não existe organização que se possa atacar.
E depois saiu-se com esta extraordinária: “os árabes precisam sempre de alguém como o Sadam Hussein, por quem tenho imensa admiração, que saiba mantê-los, pelo medo, pela prebenda, na ordem.”
E com isto se foi.
E eu fiquei a pensar. Já tinha tido aquela noção difusa, quando as televisões apresentaram o espectáculo pornográfico do enforcamento do ditador do Iraque, que mais que um acto de justiça, ou mesmo um crime, tudo aquilo era um erro.
Os EUA profundamente feridos, com razão, no ataque às Torres Gémeas inventaram uma guerra de vingança. O filho Bush, a milhas de Bush Pai que com ponderação respondeu à invasão do Kuweit, fez uma cena de cow-boy e atirou uma pedra para o meio de um vespeiro.
Ou seja: não aprendeu com os nihilistas! E respondeu como eles queriam que respondesse.


Peço desculpa pela extensão do que escrevo. Mas precisava de o fazer para chegar à conclusão da prevenção que advogo: só por dentro temos possibilidade de vencer a Djihad. Temos que encontrar maneiras de abrir as cabeças num trabalho de paciência. Nos Países deles, e não nos nossos, criar auxílio e escola. Evangelizá-los mesmo. Por absurdo obrigar a que, em paridade, a cada mesquita que se abra na Europa um mosteiro se instale nas várias Arábias. De forma a que os pobres, que são muitos, encontrem abrigo e amparo noutro pensar. Lutar para que nos Países muçulmanos seja levantada a proibição de “proselitismo”. Apoiar com eficácia os Cristãos do Oriente, os Coptas. Criar a sensação que o Cristianismo é uma escada no progresso.
E nós temos de deitar para o caixote do lixo da História todas as ideias de culpabilização na desgraça dos Países Pobres. Não é por culpa dos “brancos” que eles são pobres. É por sua própria e exclusiva culpa, mesmo que essa culpa seja ignorância.
 
Miguel Geraldes Cardoso
 
 
 

3 comentários:

  1. Estamos em guerra e,manipulados,desinformados,domesticados e acobardados, no "ocidente" vamos aceitando o inaceitável.
    A excepção ( que se vai mostrar determinante ) é , para sua honra e glória, a Rússsia Eterna (e Ortodoxa... )que não se deixa adormecer por cantos de sereias "polìticamente correctas" e tem a força, a coragem e o desassombro de se defender... atacando.

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  2. Estamos em guerra e,manipulados,desinformados,domesticados e acobardados, no "ocidente" vamos aceitando o inaceitável.
    A excepção ( que se vai mostrar determinante ) é , para sua honra e glória, a Rússsia Eterna (e Ortodoxa... )que não se deixa adormecer por cantos de sereias "polìticamente correctas" e tem a força, a coragem e o desassombro de se defender... atacando.

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  3. Há realmente ensinamentos necessário a tirar de todas as opiniões.Neste caso acho que o principal é que simplificar nem sempre é o melhor caminho.
    Os assassinatos que cita foram todos no Ocidente isso não quer dizer que a Oriente não fosse igual.Claro que sim.
    Ocidente "iconoclasta e libertador."É verdade mas artibuir isso ao cristianismo é no mínimo discutivel.Ei diria que isso resultou justamente da separação entre estado e religião.Se há coisa que deixa perplexos os muçulmanos é que não se tenha religião ou crença em um Deus.Tal como era(?) comum a ocidente isso era associado a falta de principios morais e éticos.Seria como um animal.Como se eses principios tivessem orígem numa adesão religiosa e fora deles não existissem.
    Combater o fanatismo religioso com mosteiros é uma idéia original.Mosteiros e já agora outros templos penso.pregar o ateismo é que talvez seja um pouco exgerado ao Sr Geraldes .Mesmo que não haja fieis de outras confissões esses templos teriam o condão de as promover.Penso que é essa a idéia não? Bom no fundo o que advoga é que aquilo que conseguimos com seculos de sacrificio seja transposto sob uma forma benigna para os ignorantes do Oriente,Certo?
    O que os "Arabes precisam é de um Sadan Hussein"diz o seu amigo arabe(já agora o Arabe é uma lingua)Provavelmente ouvio aqui bem perto a frase:"Isto ia lá com um Salazar" ou não?
    Atirar as culpas para o lixo é o que temos feito sempre.Não será preciso grands esforço para isso.Aliás faz idéia de há quanto tempo são independentes os Argelinos?Faz muito bem em refletir sobre estes assuntos.Ajuda.

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