A Marginal é linda
Há quem diga que a Marginal começa em Moscavide, para lá do Parque das
Nações, continuando sem tirar os olhos do rio Tejo e da esplendidamente
longínqua margem sul, até passar pelo Terreiro do Paço e chegar ao Cais do
Sodré, onde vai correndo paralelamente ao comboio que sai dali para Cascais.
Cascais também se contorna junto ao oceano até à estrada do Guincho onde a
Marginal continua mais em segredo, em direcção do Cabo da Roca e de além.
Assim, no caminho mais bonito que conheço, se aprende a diferença entre um rio
e o mar, com todas as misturas e cores de águas e de céus pelo meio.
Ajuda conhecer todas as paragens de comboio, tanto do lado mar como do
outro. A vista do comboio, à medida que se insinua, é um filme que se projecta em
movimento. Depois passeia-se de carro, numa hora calma, num dia bonito. A vista
é inteiramente nova — e surpreendente. Às vezes segue-se junto ao comboio e ele
faz-nos companhia, partilhando a mesma velocidade.
Em Caxias pode-se virar para a auto-estrada. Pois sim. Vasco Pulido Valente
acertou em cheio quando disse que a partir de uma certa idade ninguém resiste a
"ir por baixo", seguindo pela Marginal, hipnotizado pelas nuvens e
pelas luzes.
Quanto mais bonita se torna a Marginal — e isso tem acontecido, sei lá
porquê, com a passagem dos anos —, mais depressa acaba. Afinal é uma estrada
muito curta, que passa num instante.
É impossível uma pessoa habituar-se à Marginal. De Lisboa para Cascais é
uma beleza, de Cascais para Lisboa é outra.
Miguel Esteves Cardoso, no PÚBLICO
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