sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Spínola e a independência dos Açores.

 


 
 
1.     ENCONTRO ENTRE O GENERAL SPÍNOLA E O SENADOR FEDERAL JAMES BUCKLEY
 
         Dado o carácter altamente secreto do encontro entre o General Spínola e o Senador Federal James Buckley, pelo Estado de Nova Iorque, optou-se por dispensar o intérprete profissional, utilizado noutras ocasiões (tratava-se de um senhor dos seus cinquenta anos, de naturalidade brasileira, que, formado numa das escolas de intérpretes mais conceituadas da Suiça, havia vários anos que se radicara em Washington). E sendo assim, fui eu o intérprete, da mesma maneira que o fui na conferência que o General Spínola fez no Council on Foreign Relations em Boston, nas conferências feitas na University of Connecticut e na Pace University, localizada esta na Cidade de Nova Iorque, assim como no encontro do General com o Director do Serviço Internacional do AFL-CIO, em Washington, D.C., na entrevista dada à jovem correspondente da Newsweek Magazine, durante um almoço num restaurante chique, localizado no PanAm Building da Cidade de Nova Iorque, etc..
         No encontro com o Senador James Buckley, só estava presente um assistente dele e eu. Éramos quatro, portanto. (Esclareço que o Senador saiu do gabinete mais de uma vez, durante o longo encontro, para ir votar à Sala do Senado.)
         A razão de ser fundamental dos encontros individuais do General Spínola com o Senador James Buckley e com o Senador Jesse Helms, ambos membros da Comissão de Relações Estrangeiras do Senado, eram as profundas convicções anti-comunistas de ambos estes senadores federais e da sua grande influência na política internacional americana.
         Discutidos os assuntos fundamentais - que eram o apoio financeiro que o General Spínola precisava urgentemente, da parte do governo americano ou de organizações ou individualidades americanas, para combater o comunismo em Portugal e estabelecer aí um regime verdadeiramente democrático, pró-ocidental -, pôs-se a hipótese de Portugal vir a passar para a esfera da União Soviética, com a implantação de um regime comunista, semelhante ao dos países da Europa de Leste.
         Que pensava o General Spínola que deveria ser feito, num caso desses? - perguntou o Senador Buckley. - Não seria o caso de pensar no que fizera Chiang Kai-Shek em relação à China? Concordaria o General Spínola em declarar a independência dos Açores e implantar aí um regime democrático pró-ocidental?
         Certamente que sim - anuiu o General Spínola, aproveitando da ocasião para informar que ele era descendente de antigas famílias açorianas. Mas – apressou-se a esclarecer o General – na eventualidade de ter que vir a declarar a independência dos Açores, abdicaria imediatamente dessa independência no momento em que Portugal se transformasse num país democrático. 
         E, nessa ordem de ideias, estava o General Spínola a par do movimento pró-independentista existente nos Açores, apoiado por muitos dos portugueses luso-americanos, de origem açoriana? - perguntou o Senador Buckley.
         Claro que estava - esclareceu o General Spínola -, acrescentando imediatamente que ele se opunha a esse movimento, se de facto a democracia viesse a vingar em Portugal, razão de ser do MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), que o General tinha fundado.
         Esclarecido esse ponto, o General Spínola insistiu na necessidade urgente do apoio financeiro, apoio que sabia não poder esperar-se do actual governo americano, dado que ele, Spínola, sabia muito bem que não podia contar com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros Americano, chefiado por Kissinger. (Spínola que, como quase toda a gente, se enamorara de meia dúzia de frases feitas, repetia com frequência, entre nós e outros interlocutores, que Henry Kissinger era “o coveiro do Ocidente”.)
         E o Senador Buckley afirmou que reconhecia isso muito bem, mas acrescentou que julgava não ser muito difícil conseguir esse apoio financeiro de outras fontes. Que o General ficasse descansado, que ele ia pensar nisso muito a sério.
         A seguir a esta reunião semi-secreta com o Senador Federal James Buckley, dirigimo-nos para uma reunião com dois assessores da Comissão de Relações Estrangeiras do Senado, tendo eu servido também de intérprete.
         Feitas as devidas apresentações, o General Spínola voltou-se para mim e pediu-me que manifestasse a esses assessores o seu desagrado e descontentamento por ali não se encontrar nenhum senador. Que não era isso o que ele esperava. Que ele queria falar directamente com os senadores e não com os seus assessores. Que eu lhes dissesse isso sem quaisquer rodeios. E eu disse-lhes isso sem quaisquer rodeios, como competia a um intérprete fiel, digno de tal nome. E os assessores, como era de esperar, pediram-me que dissesse ao General Spínola que ficasse tranquilo. Que era esse o costume. Que o que ele lhes dissesse a eles seria transmitido na íntegra a todos os membros da Comissão de Relações Estrangeiras do Senado.
         O General ainda ficou um pouco amuado e desconfiado, mas, por fim, lá acabou por aceitar as explicações, sobretudo ao verificar que os dois jovens assessores estavam mais bem informados sobre o estado em que se encontrava Portugal que qualquer dos dois senadores com quem ele tinha falado individualmente, em sessão secreta.
 



2.     ENCONTRO ENTRE O GENERAL SPÍNOLA E O DR. JOSÉ DE ALMEIDA
 
 
         Durante a estadia do General Spínola nos Estados Unidos, o quartel general foi o Hilton Hotel de Hartford, capital do estado de Connecticut. Claro que nas duas viagens a Washington nos hospedámos em hotéis locais, o mesmo tendo acontecido em relação a duas das viagens a Nova Iorque, à viagem a Boston e, naturalmente, à viagem à Califórnia e ao Canadá.
         Pela segunda semana da estadia, organizou-se um encontro pessoal, apenas a dois, entre o General Spínola e o Dr. José de Almeida, líder da FLA (Frende de Libertação dos Açores), fundada por ele em Londres, no dia 8 de Abril de 1975.  O encontro teve lugar em Norton, uma vila do Estado de Massachusetts, na sede administrativa de Fernandes Supermarkets, uma cadeia de supermercados fundada pelo empresário madeirense-americano, Joe Fernandes.
         Depois do excelente almoço, oferecido por Joe Fernandes ao General Spínola e à sua comitiva - Capitão Ramos, Cirurgião e Manuel Gaspar, motorista oficial (contar oportunamente a maneira eficiente como o saudoso Manuel Gaspar, alfacinha de gema e luso-americano brioso, se desempenhou orgulhosamente dessa missão) -, o General Spínola foi conduzido por Joe Fernandes à sala do Conselho de Administração da Empresa, onde já o esperava o Dr. José de Almeida.
         Aí se reuniram os dois conspiradores durante aproximadamente uma hora para opinar sobre os altos destinos do Portugal pós-abrilista.
         Naturalmente que todos sabíamos à partida o assunto que seria discutido entre ambos. Enquanto o Dr. José de Almeida estava empenhado em levar até às últimas consequências a sua luta pela independência dos Açores, o General Spínola só aceitava a alternativa da independência, caso em Portugal continental fosse instaurado um regime comunista. Mas mesmo nesse caso, segundo o General, os Açores só deveriam manter-se independentes até ao momento em que daí saisse um exército de libertação para derrubar o regime comunista estabelecido em Portugal e substitui-lo por um regime democrático. Libertado Portugal do jugo comunista, os Açores voltariam a ser parte integrante da República Portuguesa, na qualidade de Região Autónoma.
         De regresso a Connecticut, o General Spínola declarou-nos que tinha sido isso que dissera e propusera incondicionalmente ao Dr. José de Almeida, mas que este não lhe prometera que desistiria da campanha em curso para a independência dos Açores.
 
António Cirurgião
 

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