1. ENCONTRO ENTRE O GENERAL SPÍNOLA E
O SENADOR FEDERAL JAMES BUCKLEY
Dado o carácter altamente
secreto do encontro entre o General Spínola e o Senador Federal James Buckley,
pelo Estado de Nova Iorque, optou-se por dispensar o intérprete profissional,
utilizado noutras ocasiões (tratava-se de um senhor dos seus cinquenta anos, de
naturalidade brasileira, que, formado numa das escolas de intérpretes mais
conceituadas da Suiça, havia vários anos que se radicara em Washington). E
sendo assim, fui eu o intérprete, da mesma maneira que o fui na conferência que
o General Spínola fez no Council on Foreign Relations em Boston, nas conferências
feitas na University of Connecticut e na Pace University, localizada esta na
Cidade de Nova Iorque, assim como no encontro do General com o Director do
Serviço Internacional do AFL-CIO, em Washington, D.C., na entrevista dada à
jovem correspondente da Newsweek Magazine, durante um
almoço num restaurante chique, localizado no PanAm Building da Cidade de Nova
Iorque, etc..
No encontro com o Senador
James Buckley, só estava presente um assistente dele e eu. Éramos quatro,
portanto. (Esclareço que o Senador saiu do gabinete mais de uma vez, durante o
longo encontro, para ir votar à Sala do Senado.)
A razão de ser fundamental
dos encontros individuais do General Spínola com o Senador James Buckley e com
o Senador Jesse Helms, ambos membros da Comissão de Relações Estrangeiras do
Senado, eram as profundas convicções anti-comunistas de ambos estes senadores
federais e da sua grande influência na política internacional americana.
Discutidos os assuntos
fundamentais - que eram o apoio financeiro que o General Spínola precisava
urgentemente, da parte do governo americano ou de organizações ou
individualidades americanas, para combater o comunismo em Portugal e
estabelecer aí um regime verdadeiramente democrático, pró-ocidental -, pôs-se a
hipótese de Portugal vir a passar para a esfera da União Soviética, com a
implantação de um regime comunista, semelhante ao dos países da Europa de
Leste.
Que pensava o General Spínola
que deveria ser feito, num caso desses? - perguntou o Senador Buckley. - Não
seria o caso de pensar no que fizera Chiang Kai-Shek em relação à China? Concordaria
o General Spínola em declarar a independência dos Açores e implantar aí um
regime democrático pró-ocidental?
Certamente que sim - anuiu o
General Spínola, aproveitando da ocasião para informar que ele era descendente
de antigas famílias açorianas. Mas – apressou-se a esclarecer o General – na
eventualidade de ter que vir a declarar a independência dos Açores, abdicaria
imediatamente dessa independência no momento em que Portugal se transformasse
num país democrático.
E, nessa ordem de ideias,
estava o General Spínola a par do movimento pró-independentista existente nos
Açores, apoiado por muitos dos portugueses luso-americanos, de origem açoriana?
- perguntou o Senador Buckley.
Claro que estava - esclareceu
o General Spínola -, acrescentando imediatamente que ele se opunha a esse
movimento, se de facto a democracia viesse a vingar em Portugal, razão de ser
do MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), que o General tinha
fundado.
Esclarecido esse ponto, o
General Spínola insistiu na necessidade urgente do apoio financeiro, apoio que
sabia não poder esperar-se do actual governo americano, dado que ele, Spínola,
sabia muito bem que não podia contar com o apoio do Ministério dos Negócios
Estrangeiros Americano, chefiado por Kissinger. (Spínola que, como quase toda a
gente, se enamorara de meia dúzia de frases feitas, repetia com frequência,
entre nós e outros interlocutores, que Henry Kissinger era “o coveiro do
Ocidente”.)
E o Senador Buckley afirmou
que reconhecia isso muito bem, mas acrescentou que julgava não ser muito
difícil conseguir esse apoio financeiro de outras fontes. Que o General ficasse
descansado, que ele ia pensar nisso muito a sério.
A seguir a esta reunião
semi-secreta com o Senador Federal James Buckley, dirigimo-nos para uma reunião
com dois assessores da Comissão de Relações Estrangeiras do Senado, tendo eu
servido também de intérprete.
Feitas as devidas
apresentações, o General Spínola voltou-se para mim e pediu-me que manifestasse
a esses assessores o seu desagrado e descontentamento por ali não se encontrar
nenhum senador. Que não era isso o que ele esperava. Que ele queria falar
directamente com os senadores e não com os seus assessores. Que eu lhes
dissesse isso sem quaisquer rodeios. E eu disse-lhes isso sem quaisquer
rodeios, como competia a um intérprete fiel, digno de tal nome. E os
assessores, como era de esperar, pediram-me que dissesse ao General Spínola que
ficasse tranquilo. Que era esse o costume. Que o que ele lhes dissesse a eles seria
transmitido na íntegra a todos os membros da Comissão de Relações Estrangeiras
do Senado.
O General ainda ficou um
pouco amuado e desconfiado, mas, por fim, lá acabou por aceitar as explicações,
sobretudo ao verificar que os dois jovens assessores estavam mais bem
informados sobre o estado em que se encontrava Portugal que qualquer dos dois
senadores com quem ele tinha falado individualmente, em sessão secreta.
2. ENCONTRO ENTRE O GENERAL SPÍNOLA E
O DR. JOSÉ DE ALMEIDA
Durante a estadia do General
Spínola nos Estados Unidos, o quartel general foi o Hilton Hotel de Hartford,
capital do estado de Connecticut. Claro que nas duas viagens a Washington nos
hospedámos em hotéis locais, o mesmo tendo acontecido em relação a duas das
viagens a Nova Iorque, à viagem a Boston e, naturalmente, à viagem à Califórnia
e ao Canadá.
Pela segunda semana da
estadia, organizou-se um encontro pessoal, apenas a dois, entre o General
Spínola e o Dr. José de Almeida, líder da FLA (Frende de Libertação dos
Açores), fundada por ele em Londres, no dia 8 de Abril de 1975. O encontro teve lugar em Norton, uma vila do
Estado de Massachusetts, na sede administrativa de Fernandes Supermarkets, uma
cadeia de supermercados fundada pelo empresário madeirense-americano, Joe
Fernandes.
Depois do excelente almoço,
oferecido por Joe Fernandes ao General Spínola e à sua comitiva - Capitão
Ramos, Cirurgião e Manuel Gaspar, motorista oficial (contar oportunamente a
maneira eficiente como o saudoso Manuel Gaspar, alfacinha de gema e
luso-americano brioso, se desempenhou orgulhosamente dessa missão) -, o General
Spínola foi conduzido por Joe Fernandes à sala do Conselho de Administração da
Empresa, onde já o esperava o Dr. José de Almeida.
Aí se reuniram os dois
conspiradores durante aproximadamente uma hora para opinar sobre os altos
destinos do Portugal pós-abrilista.
Naturalmente que todos
sabíamos à partida o assunto que seria discutido entre ambos. Enquanto o Dr.
José de Almeida estava empenhado em levar até às últimas consequências a sua
luta pela independência dos Açores, o General Spínola só aceitava a alternativa
da independência, caso em Portugal continental fosse instaurado um regime
comunista. Mas mesmo nesse caso, segundo o General, os Açores só deveriam
manter-se independentes até ao momento em que daí saisse um exército de
libertação para derrubar o regime comunista estabelecido em Portugal e
substitui-lo por um regime democrático. Libertado Portugal do jugo comunista,
os Açores voltariam a ser parte integrante da República Portuguesa, na
qualidade de Região Autónoma.
De regresso a Connecticut, o
General Spínola declarou-nos que tinha sido isso que dissera e propusera
incondicionalmente ao Dr. José de Almeida, mas que este não lhe prometera que
desistiria da campanha em curso para a independência dos Açores.
António Cirurgião
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