terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A memória de Ustica.

 
 








Fotografias de António Araújo

 

Signore e signori, buona sera. Brevi comunicazioni sul volo dalla cabina di pilotaggio. Stiamo procedendo a una quota de 7500 metri e circa due minuti fa abbiamo lasciato l’isola di Ponza per volare in linea retta su Palermo, dove stimiamo di aterrare fra circa mezz’ora. Il tempo procedendo verso sud è in miglioramento, per cui a Palermo è previsto tempo buono. Visibilità ottima, temperatura 22 gradi. La nostra rota: da Bologna via Firenze, Bolsena, abbiamo lasciato Roma sulla nostra destra, poi Ponza, come vedete La nostra velocità rispetto al suolo è di circa 17mila nodi. Grazie. Ladies and gentlemen…
 
(registo de voz do piloto do voo Itavia IH 870)
 
Depois, a explosão. Oitenta e uma vítimas mortais. 27 de Junho de 1980. O DC-9 da companhia aérea Itavia, levando a bordo 77 passageiros e quatro tripulantes, partindo de Bolonha com destino a Palermo, na Sicília, voou durante 51 minutos até desaparecer dos radares. Poucas horas depois, os destroços eram resgatados no mar Tirreno, nas imediações da ilha de Ustica. Como sempre acontece em Itália, sucederam-se as teorias de conspiração, os boatos propalados em surdina, os rumores tenebrosos. Nunca se soube a verdade. Resta a memória dos 81 mortos, preservada num estranho e singular museu em Bolonha, a que poucos vão. Os guias turísticos descrevem o Museu da Memória de Ustica como um lugar «bizarro» e, não por acaso, figura no Atlas Obscura, atroz inventário de tudo quanto mais estranho existe neste mundo de Cristo. Em redor dos destroços da aeronave, o artista francês Christian Boltanski construiu um espaço de memória, onde 81 aparelhos negros, pendurados nas paredes, transmitem incessantemente as vozes das vítimas, os diálogos a bordo do Itavia IH 870, que repousa em estilhaços diante do nosso olhar silencioso, de assombração e espanto. No Museu, objectos pertencentes às vítimas, cujas famílias o Estado italiano teve de indemnizar (há uma associação de familiares das vítimas). Seres comuns, desconhecidos, que agora recordamos num local propositadamente intrigante, que nos suscita até a pergunta sobre se um museu como estes deve existir, qual o seu sentido e propósito. E, aprofundando a autoflagelação, interrogamo-nos que fazemos ali, aqui, a observar os pedaços rasgados de um avião caído em 1980, numa tragédia de que já nem nos lembrávamos.   

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