quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

La Volta Pinta.

 



 








La Volta Pinta é… um descarado copianço do livrinho-guia La Volta Pinta, de Ezio Genovesi, que passo a transcrever: La Volta Pinta é uma arcada situada em Assis, tendo por cima dela o antigo Palácio do Governador (portanto, de Assis) e tendo por defronte o antigo Templo de Minerva, que agora é uma igreja, como quase tudo quanto há em Assis, com algumas excepções. Entre essas algumas excepções, La Volta Pinta, que é uma obra laica – e até lasciva, fazei atenção. O interesse deste túnel são os graffiti quinhentistas ou, como diz o guia, la decorazione pittorica a grottesche eseguita nel 1556. Quem terá eseguitado essa decoração pictórica e grotesca pode muito bem ter sido Raffaellino del Cole, que por aquela altura andava a laborar ao fresco na Catedral de São Rufino, ou seja, nas imediações. Há notícia de que a 21 de Agosto de 1556 terão pagado a um tal de «Raphael pictor» pelo trabalho de La Volta Pinta, que, sendo um belo trabalho pictórico e grotesco, tem rivais ganhadores noutras partes de Itália, com destaque para o Vaticano, mas aí o autor da obra foi, dizem, o verdadeiro Rafael, e não este Raffaellino piccolino que, bem vistas as coisas, terá seguido muito de perto, quase tão de perto como eu estou aqui seguir o livrinho-guia da Editrice Minerva (2015), uma refinadíssima colecção de estampas dada à estampa em 1540 e que se chama Leviores et (ut videtur) extemporaneae picturae quas grotteschas vulgo vogant, da autoria de Enea Vico, o qual, segundo parece (e isto da cultura ocidental é copianço atrás de copianço), se terá inspirado à farta nos murais descobertos da Roma antiga. No catálogo do British Museum – e isto já sou eu aqui a falar da minha lavra – podemos encontrar o Leviores etc, etc., ainda que a datação seja de 1544 ou anos posteriores e não 1540, como afirma o livrinho-guia que estou para aqui a transcrever-vos. A propósito, há álbuns lindos de luxo sobre La Volta Pinta, em formato tábua de café book, mas são caros de morrer. Já as imagens que divulgo no Malomil são uma desgraça e peço perdão por isso, mas a luz não estava boa, pelo que não conseguireis penetrar à séria no festim pictórico daquela gruta leiga, onde há muita mas mesmo muita figura mitológica tirada das Metamorfoses de Ovídio (o eterno copianço e inspiranço cultural ocidental), a par de coisas desconcertantes e opulentas em modo Gianni Versace século XVI: um carro puxado por tartarugas, um mocho olheirento, dois perus de costas voltadas um para o outro, uma quadriga a despenhar-se dos céus, com cavalos em queda e tudo, os travessos Dédalo e Ícaro, uma cabeça leonina e, apontamento erótico inusitado na terra de Assis do Santo, figuras femininas desnudas a assediar-nos a vista. Há também um par de leões a subir escadas e umas máscaras teatrais para personas dadas a tragicomédias. Os delicados ornatos, em filamentos florais quase imperceptíveis, estão lá para adensar o nonsense dos jogos e reviravoltas em que La Volta Spinta é fértil, com sátiros inesperados que nos afluem ao olhar de espanto, macacos lúbricos (ou somos nós a julgar que são lúbricos), pedras de armas e homenagens escritas aos patronos e mecenas desta macacada toda, para a qual podíamos estar dias e dias a olhar, de livrinho-guia na mão, descobrindo sempre pormenores novos e imprevistos. Não há tempo para isso, pois a vida é uma lufa-lufa, mas La Volta Pinta está lá há muitos séculos graças a Deus e deu tantas alegrias a tanta gente, cuja maior parte até já faleceu. Mas fica o pensamento: em que pensava essa gente quando saía de uma igreja – por exemplo, de Santa Maria sopra Minerva que, como o nome indica, assentou arraiais no antigo templo de Minerva, e fica mesmo em frente ao arco fantástico, na Piazza del Comune –, em que pensava essa gente, dizia eu, quando saía de uma igreja, depois de fazer as suas orações e penitências, e deparava com aquele bacanal pegado de sátiros atrevidos, mulheres em pêlo com cenário silvestre, passarada canora e sonora e faunos pelos bosques? E qual o propósito das autoridades, inclusive eclesiásticas e até vaticanas, ao encomendarem obras como esta? Há ainda uma janela que, ao ser rasgada, fez perder uma parede de frescos. Mas o mistério maior, quanto a mim, é o facto de, dizem os entendidos, a parcela mais enigmática da La Volta Pinta ser aquela que pictórica e cromaticamente se apresenta mais desinteressante à nossa vista. Devem ir à Internet ver La Volta Pinta como merece, já que as imagens supra dão tão-só uma pálida e desfocada imagem do que é aquela maravilha, que fica em Assis, a poucos passos doutro lugar de arromba, a histórica Libreria Zubboli, onde se compram o guia que acabo de parafrasear à bruta, álbuns de luxo sobre La Volta Pinta e demais obras devocionais.
 
 
António Araújo, que não foi autor destas fotografias que seguem:
 










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