terça-feira, 11 de dezembro de 2018

De novo, o rinoceronte.

 
 
Veneza, Basílica de São Marcos, mosaico
 
 
 
É possível que uma das primeiras representações do rinoceronte na Europa cristã seja a constante de um mosaico existente na Basílica de São Marcos, em Veneza. No entanto, a sua datação é motivo de grande controvérsia, havendo quem o situe no século XII, outros nos séculos XV. XVI ou XVII e outros até no século XX… Uma síntese desse debate pode encontrar-se num artigo de Hermann Walter, disponível aqui. Uma das hipóteses, avançada por Odell Shepard (The Lore of the Unicorn, 1930), sustenta a existência de uma ligação deste rinoceronte aos relatos de Marco Polo, que assevera ter encontrado unicórnios nas florestas da Birmânia e de Sumatra. O certo é que o primeiro rinoceronte visto em Veneza foi «Clara», que aí chegou no Carnaval de 1751, trazida pelo seu dono, o holandês Douwe van der Meer, que com ela fez um célebre tour pela Europa e que na Sereníssima foi pintada por Pietro Longhi (1701-1785).


Pietro Longhi, O rinoceronte Clara, 1751


 
 
 
Para os leitores de Portugal talvez seja mais interessante referir aquela que parece ser, com elevado grau de probabilidade, outra representação do rinoceronte indiano, temporalmente muito próxima da chegada a Lisboa de «Ganda», em Maio de 1515. Contudo, e estranhamente, não é mencionada na obra de referência de T. H. Clarke sobre a presença do rinoceronte indiano na arte ocidental (cf. T. H. Clarke, The rhinoceros from Dürer to Stubbs, 1515-1799, Londres, Sothebys, 1986). Trata-se do fólio 98 verso do Livro de Horas de Dom Manuel, intitulado «Horas da Virgem – Repouso na Fuga para o Egipto», atribuído a António de Holanda e cuja feitura terá começado em 1517 (e terminado muitos anos depois, em 1551).
 

Livro de Horas de D. Manuel, 1515-1551
 
 
    No ensaio «Damião de Góis e o Livro de Horas dito de D. Manuel» (separata de Arte Ibérica, 1999 e ver também aqui), Vasco Graça Moura sustenta a hipótese de o livro, conservado desde 1915 no Museu Nacional de Arte Antiga, ter sido uma encomenda de Damião de Góis a António de Holanda, o que, a confirmar-se, é um dado extremamente interessante, porquanto se deve a Damião de Góis, na Crónica de Dom Manuel, uma das descrições mais conhecidas do combate do rinoceronte com um elefante, ocorrido em 3 de Junho de 1515 (sobre esse combate, cf. A. Fontoura da Costa, Les déambulations du rhinocéros de Modofar, roi de Cambaye, de 1514 à 1516, Lisboa, 1937, pp. 20ss). Ainda que na descrição do Livro das Horas não seja inequivocamente afirmado que o animal do lado direito da iluminura, junto a uma escarpa, é um rinoceronte, não parece haver grande dúvida a esse respeito. Fica a ameaça: vamos continuar esta temática.

 
 

2 comentários:

  1. No "Prologo" da Genealogia do Infante Dom Fernando de Portugal (XVIIa, BBI, 1994), no canto superior esquerdo, lá está (mais) um rinoceronte, na companhia de muitos outros "exóticos", incluindo aves.
    Esta a minha contribuição, modesta, para esta exótica temática.

    António José Cabral

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  2. Muitíssimo obrigado, meu caro António Cabral, desconhecia em absoluto!

    Um abraço grato e amigo,

    António Araújo

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