sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O século dos prodígios.





         O meu amigo Onésimo Teotónio de Almeida lembrou-se de colocar na capa do seu último livro o rinoceronte de Dürer, o que logo me trouxe à memória um outro livro lido há pouco, o igualmente fantástico El Rinoceronte y el Megatério. Un ensayo de morfologia histórica, de Juan Pimentel. A história do rinoceronte do Papa, que naufragou e morreu antes de aportar a Itália, é conhecida de todos, como conhecido de todos é o histórico combate que D. Manuel organizou em Lisboa entre dois inimigos históricos, o rinoceronte e o elefante. Todos sabem, de igual sorte, que a Torre de Belém tem um rinoceronte à proa, já delido pelo tempo. E todos também sabem que em 1515 Dürer fez a gravura ao bicho, e que essa gravura foi um best-seller na Europa de seu tempo. Ide ao Museu Britânico, lá a tendes.



O rinoceronte da Torre de Belém

 
         Aqui há uns anos, andando em Cracóvia, deparei com um rinoceronte em pleno centro histórico que por lá chamam Stare Miasto. Um, não. Dois rinocerontes, a mais o inimigo elefante, na frontaria de uma casa na Rua Grodzka. Depois, reparando melhor, notei que havia outro, ademais não idêntico, na mesma casa, mas agora na fachada que dá para a Rua Poselska. A coisa adensa-se pois não longe dali está o Museu de História Natural, que alberga um rinoceronte antiquíssimo, mas esse não entra na história.  Pelo que pude perceber (mal), a casa que faz esquina entre o 38 da Rua Grodzka e o 19 da Rua Poselska chama-se Kamienica Pod Elefanty e refere a Wikipedia que remonta ao século XV. Gostava de saber mais polaco para saber a história da casa, mas não sei, nem o livro de Juan Pimentel fala sequer de Cracóvia. Como é evidente, os rinocerontes e o elefante da fachada não podem estar lá desde o século XV. Talvez século XVI ou XVII. Em todo o caso, lá estão, como em Nuremberga está – via há muitos anos – a gravura de Dürer na casa-museu deste génio.

 

Cracóvia. O elefante ladeado por dois rinocerontes.
 

O elefante.


 

Os dois rinocerontes.
Repare-se como são diferentes, a ponto de se dizer que um é um rinoceronte de Sumatra.

 
 

 
         O que eu não sabia de todo – e foi o livro de Juan Pimentel que mo ensinou – é que a representação mais antiga de um rionoceronte no Novo Mundo está na Colômbia. Em Tunja, província de Boyacá, na casa-museu do escritor Juan de Vargas, que chegou ao país em 1564. O tecto foi pintado em 1590, à maneira maneirista, e a figuração do rinoceronte que lá está é tirada, sem sombra de dúvida, da gravura de Dürer – ou das muitas cópias feitas por outros e até edições piratas que se fizeram na altura. Outra coisa que Juan Pimentel não diz, mas que fui descobrindo e sobre a qual não tenho certezas nenhumas, é que em Tunja há um outro rinoceronte. Talvez até mais antigo do que o da casa de Juan de Vargas, ainda não pude apurar (se alguém tiver o livro de Mejía Los Rioncerontes de Colombia é favor de emprestar). É a Casa de Gonzalo Suárez Rendón, também Casa del Fundador, pois em 1539 Rendón foi o fundador da província de ,Boyacá daí o nome.  A casa foi erguida entre 1540 e 1570, sendo portanto mais antiga ou pelo menos contemporânea da casa de Juan de Vargas. E também tem tectos pintados. E também num desses tectos está um rinoceronte, mais tosco, menos Dürer.


Tunja, Colômbia. Casa de Juan de Vargas


Elefantes



Tunja, Colômbia. Casa del Fundador.
 
Elefante.




Rinoceronte.

 
         Fica a promessa de que mais pesquisas. Por ora, a partilha do assombro: um rinoceronte que veio da Índia, passou por Lisboa, foi metido num navio, fez escala em Marselha onde foi apreciado pelo rei da França, naufragou e morreu afogado já à vista da costa de Itália, para onde ia a caminho de Roma, obviamente a ver o Papa. Rinoceronte que está na Torre de Belém, idem em Nuremberga na casa de Dürer, artista que o retratou em gravura best-seller. Daí rumou à Polónia, Cidade Velha de Cracóvia, mas também à distante Colômbia, onde figura em pelo menos duas casas da cidade de Tunja, província de Boyacá. Se isto não é universalismo e globalização, se isto não foi mesmo um século dos prodígios, dizei então vós, de vossa justiça.
 






 

2 comentários:

  1. Obrigado pela publicidade indirectamente feita ao livro, mas o seu a seu dono. A ideia de usar o rinoceronte de Dürer foi do editor da Quetzal, o Francisco José Viegas. Bela ideia, pensei eu, mas só depois. Acho até que foi pela capa que a Academia Portuguesa de História lhe deu um prémio. Disse isso na graça na sessão da Academia e já me vieram dizer que é capaz de eu ter ofendido o júri. Aproveito para pedir desculpa se ofensa houve.
    Um abraço grato do
    O.

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  2. Obrigado, Onésimo! E as minhas desculpas, Francisco…

    Abraço aos dois,

    António

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