Os sociólogos da religião dizem que
vivemos tempos de «bricolage
religioso» ou de «religião à la carte»
em que muitos daqueles que acreditam – aqueles que querem crer – misturam
elementos daqui e dali para construir a «sua» fé. A ideia de uma fé autoconstruída («eu tenho a minha fé»), dispensando as chamadas
«estruturas de mediação» (sacerdotes ou igrejas), corre a par de outros
fenómenos. Por exemplo, a noção de «crer sem pertencer» (believing without belonging), que muitas vezes assume as vestes da
figura do «crente não-praticante». Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos assistiu-se
ao surgimento, já antigo mas cada vez mais visível, do que alguns designam por
religious supermarket. Neste mercado da fé,
vários credos, confissões ou igrejas, como se de empresas se tratassem, disputam
com requintes de marketing a
fidelidade dos crentes, de pessoas que querem continuar a acreditar em alguma
coisa, mesmo sem saber bem no quê. Há de tudo para todos os gostos: podemos ser tradicionalistas
inflamados, progressistas bem-intencionados, New Age oníricos, criar a nossa fé, doméstica e íntima, ou, pura e
simplesmente, cultivar o ateísmo, mais ou menos militante (uma militância que, nas
suas tonalidades radicais, parece ter-se tornado uma nova crença). Existem
ainda os agnósticos, por comodidade ou por sinceridade. E também há espaço para os que não querem nem crêem em nada,
para o completo indiferentismo religioso. Há ainda, neste mundo infindável das crenças, os que
lançam movimentos como o Tebowing. Aos
seguidores do movimento pede-se pouco, quase nada: que, individualmente ou em grupo, se
ajoelhem e rezem – ou, no mínimo, pareçam estar a rezar. De visita a um lugar turístico,
nas vésperas do casamento, em casa ou em público, ajoelham-se e tiram uma fotografia: esta, a imagem, é
talvez mais importante do que o gesto. Talvez melhor, o gesto é a imagem. A fé esgota-se na fotografia e não reclama que acreditemos em nada, absolutamente nada. Não sei se serão
muitos os seguidores, nem se percebe se tudo não passa de uma parvoíce – mas,
atenção, também a parvoíce pode ser religiosa, e vice-versa. Haverá aqui
um propósito satírico, possivelmente. O facto é que ser adepto do Tebowing não exige muito nem custa nada. Esse é o ponto
essencial: nas nossas preenchidas e apressadas vidas, não há tempo e espaço, ou sequer interesse, para dedicar muito de nós a isto, ou à fé, ou ao que quer que
seja. Talvez o Tebowing seja
ridículo. É-o, certamente. Mas a sua vacuidade idiota constitui um expressivo
sinal dos tempos. No Dia de Todos os Santos, aqui fica o Tebowing, o padroeiro dos nossos dias, orago da contemporaneidade.
António Araújo
António, não ficou alguma coisa perdida na tradução? O Tebowing não é apenas ser um daqueles memes puramente satíricos, uma piada ao maneirismo (ou ritual não sei o que lhe chamar, depois de ter sido gozado, acabou a patentear o gesto) do Tim Tebow, o jogador de futebol norte-americano?
ResponderEliminarNaturalmente, Cláudia, o Tebowing inicia-se com o gesto do Tim Tebow, como explica o «post» do José Navarro de Andrade no «Delito de Opinião», aqui:
Eliminarhttp://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/3926007.html
Não tinha lido o «post» (obrigado, Zé!), e o que pretendi no meu texto foi referir-me ao lado «religioso» de tudo isto. Um lado «religioso» que obviamente existe, desde logo no próprio gesto do Tim Tebow. Que, depois, teve seguidores... O facto de isto se ter disseminado a uma escala tão gigantesca tem um significado interessante, até de um ponto de vista «espiritual», não acha?
Obrigado, Cláudia.
António Araújo
Caríssimo,
EliminarÉ verdade que o gesto feito pelo jogador tem origens religiosas, mas não penso que seja essa razão da disseminação do gesto pelas fotografias mundo fora. E sendo que muito do início deste post é verdade, tenho de concordar com a Cláudia: é tão religioso como o "planking" (http://en.wikipedia.org/wiki/Planking_(fad)).
Cumprimentos
Encontro, sim (por isso concordo que há) uma certa espiritualidade neste 'meme', António, mas não propriamente um senso de religação: ali, nesse 'fazer pouco' de Tim Tebow, entrevejo pessoas que têm em comum um mesmo mundo comunicacional, um certo sentido de humor, a capacidade de se deslocarem a sítios/situações culturais díspares, carregadas de sentido, as quais tentam imediatamente dessacralizar (ou humanizar, não sei bem, na verdade).
EliminarNão encontro uma crença comum aos intervenientes, apenas uma necessidade comum de tornar leve, informal, quando não cómica, uma experiência de vida relevante. E isso é mesmo muito interessante. Desconcertante, na verdade.
[errata: onde se lê 'ser', leia-se coisa nenhuma]
ResponderEliminarToma lá um link:
ResponderEliminarhttp://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/3926007.html
José Navarro
Obrigado, Zé. Não tinha lido o teu «post». Vê por favor o comentário que fiz acima, à Cláudia.
EliminarUm abraço
António
Na Europa estamos habituados a ver jogadores de futebol a benzerem-se ao entrarem em campo . Mas o gesto é fugaz e banal sem o mediatismo do joelho em terra e a moda não pegou .Mas é verdade que a geração da Net ,a Netgen ,finge e muito .Recordemos os Tamagotchis que apareceram no Japão e que pretendiam ser cãezinhos eletronicos.Não davam trabalho ,não implicavam responsabilidades e podiam ao primeiro enfado ser atirados para uma gaveta . E os jovens compraram-nos aos milhões , setenta e oito para ser mais preciso ,até ao final de 2010 ,acedendo assim à alegria facil de terem "um animal de estimação". E é vê-los a teclarem frenéticamente SMS's ,no Twiter ,no Facebook a fingirem também que comunicam .
ResponderEliminarPara aqueles que cresceram na decada de 50 ,60 ou 70 ,habituados a ler livros de fio a pavio ,ao convivio do Café ,a falar olhos nos olhos ,esse é realmente um mundo estranho e hostil .Mas muito diferente é também o mundo das Sociedades pós-industriais que aguarda esses jovens excluidos que vão ser dos confortos das gerações anteriores e refiro-me naturalmente às expectativas de terem trabalho ,alguma segurança nele ,casa e familia ,em suma esperança num mundo melhor.
Tamagotchis e Tebowing ? Pois naturalmente.
manuel.m