sábado, 28 de junho de 2014

O gajo de 1979.

 
 
 
Maverick 1979
 
O gajo de 1979 acorda, toma banho e consulta a agenda. Sim, o dinossauro de 79 ainda tem agenda de papel, com encadernação e argolas, coisa brega de sujeito que ainda não sabe que há apps que funcionam como agenda no ecrã do telemóvel. Não surpreende: o gajo de 79 é uma besta analógica. Depois de consultar a agenda, o gajo de 79 apanha o Metro em direcção ao primeiro compromisso do dia. Na carruagem, levanta-se para dar lugar à velhota. Ele é o único que vê a senhora. Não surpreende: o resto está tocando, cutucando, masturbando as apps dos iphones, dos ipads e demais quinquilharia indispensável ao gajo de 2014. Uma sinfonia de onanismo internético que transforma o gajo de 1979 num cavalheiro do século XIX, perdão, num marquês do XVIII. Um reaccionário, portanto.
Pobre coitado. Durante o trabalho, consegue passar várias horas concentrado numa só coisa. Não pára para fazer dezenas de mijinhas internéticas no facebook ou twitter. No fundo, é um bicho do mato sem consciência da necessidade da interactividade na vidinha moderna. Sim, isso de andar a postar de 10 em 10 minutos não é défice de atenção, é apenas o zénite da sociedade de informação. Só o idiota de 79 é que não percebe isto. Quando regressa a casa, o gajo de 79 já traz a filha ao colo e, nesse momento, ele passa a ser a velhinha. Ninguém se levanta para lhe dar lugar. O gajo de 79 tem assim de distribuir rotativos à Van Damme para conseguir um mísero lugar sentado. Então não vê que eu estava a jogar Candy Crush?
Quando chega a casa, o gajo de 79 procura falar com os amigos, mas não consegue. Não tem facebook, twitter ou uma coisa chamada whatsapp. O gajo de 79 só quer ver a bola, beber imperiais e comer tremoços, mas isso agora só mesmo com marcação, se possível pelo whatsapp. Quando, por mero acaso, encontra um amigo no café de sempre, ele tenta a conversa, a piada, as gajas, o argumento político, a erudição cinéfila, mas nada. Do outro lado só ouve "espera aí, tenho de ver isto, já te mando por mail". O gajo de 79 ainda pensa em dizer "mas eu não quero me que mandes nada, pá, fala comigo agora", mas cala-se. Vai para casa dormir. Será que há apps para contar carneiros?
 
 
Henrique Raposo
 
 
PS: com um abraço para Gregorio Duvivier.
 
 
 
 
(publicado no Expresso, de 24 de Junho de 2014)
 
 
 
 
 
 

2 comentários:

  1. boa prosa (e verdadeira também);
    só não faço um like por não ter facebook (ou whatever).

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  2. Uma delícia de texto. Parabéns Henrique.
    Beirão.

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