Maverick 1979 |
O
gajo de 1979 acorda, toma banho e consulta a agenda. Sim, o dinossauro de 79
ainda tem agenda de papel, com encadernação e argolas, coisa brega de sujeito
que ainda não sabe que há apps que funcionam como agenda no ecrã do telemóvel.
Não surpreende: o gajo de 79 é uma besta analógica. Depois de consultar a
agenda, o gajo de 79 apanha o Metro em direcção ao primeiro compromisso do dia.
Na carruagem, levanta-se para dar lugar à velhota. Ele é o único que vê a
senhora. Não surpreende: o resto está tocando, cutucando, masturbando as apps
dos iphones, dos ipads e demais quinquilharia indispensável ao gajo de 2014.
Uma sinfonia de onanismo internético que transforma o gajo de 1979 num
cavalheiro do século XIX, perdão, num marquês do XVIII. Um reaccionário,
portanto.
Pobre
coitado. Durante o trabalho, consegue passar várias horas concentrado numa só
coisa. Não pára para fazer dezenas de mijinhas internéticas no facebook ou
twitter. No fundo, é um bicho do mato sem consciência da necessidade da
interactividade na vidinha moderna. Sim, isso de andar a postar de 10 em 10
minutos não é défice de atenção, é apenas o zénite da sociedade de informação.
Só o idiota de 79 é que não percebe isto. Quando regressa a casa, o gajo de 79
já traz a filha ao colo e, nesse momento, ele passa a ser a velhinha. Ninguém
se levanta para lhe dar lugar. O gajo de 79 tem assim de distribuir rotativos à
Van Damme para conseguir um mísero lugar sentado. Então não vê que eu estava a
jogar Candy Crush?
Quando
chega a casa, o gajo de 79 procura falar com os amigos, mas não consegue. Não
tem facebook, twitter ou uma coisa chamada whatsapp. O gajo de 79 só quer ver a
bola, beber imperiais e comer tremoços, mas isso agora só mesmo com marcação,
se possível pelo whatsapp. Quando, por mero acaso, encontra um amigo no café de
sempre, ele tenta a conversa, a piada, as gajas, o argumento político, a
erudição cinéfila, mas nada. Do outro lado só ouve "espera aí, tenho de
ver isto, já te mando por mail". O gajo de 79 ainda pensa em dizer
"mas eu não quero me que mandes nada, pá, fala comigo agora", mas
cala-se. Vai para casa dormir. Será que há apps para contar carneiros?
Henrique Raposo
PS: com um abraço para Gregorio Duvivier.
(publicado no Expresso, de 24 de Junho de 2014)
boa prosa (e verdadeira também);
ResponderEliminarsó não faço um like por não ter facebook (ou whatever).
Uma delícia de texto. Parabéns Henrique.
ResponderEliminarBeirão.