Acórdão de 10 de
Maio de 1961
Processo
nº 30 719
I – Nas províncias ultramarinas, pertence aos
tribunais militares territoriais a competência para o julgamento dos crimes
contra a segurança exterior do Estado. II – Mas, nos termos do artº 7º do Decreto-Lei nº 37 732, de 13 de
Janeiro de 1950, pode a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça mandar
avocar o julgamento ao Plenário do Tribunal Criminal de Lisboa quando para
tanto concorram razões ponderosas, tais como presença dos réu na Metrópole e
consequente maior facilidade de comparecer no julgamento; e vantagem de a
responsabilidade ser apreciada num ambiente diferente daquele onde os factos
ocorreram e onde poderiam ser desencadeados reacções, contra ou a favor do réu.
Acordam, em
conferência, na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
Pela
Polícia Internacional e de Defesa do Estado corre seus termos o processo neste
acto apresentado, organizado contra o arguido Menino Teotónio de Mascarenhas ou
Telo de Mascarenhas, advogado, natural de Mormugão – Goa (Província da Índia
Portuguesa), com residência fixa na Metrópole e morador nesta cidade de Lisboa,
actualmente preso, pela prática de crimes contra a segurança do Estado
indicando-se designadamente o previsto e punível no artº 141º do Código Penal.
Foi
esse processo enviado ao excelentíssimo Procurador-Geral da República e este
ilustre magistrado, em concordância com a sugestão formulada por aquela
Polícia, apresentou a douta exposição de fls. 2 propondo; por concorrerem
razões poderosas, que o julgamento do arguido, que seria da competência do
Tribunal Militar Territorial de Goa, seja avocado ao Plenário do Tribunal
Criminal, de Lisboa, de harmonia com o disposto no art.º 7.º do Decreto-Lei n.º
37 732, de 13 de Janeiro de 1950.
Concretizando
essas razões, alega o douto magistrado que o arguido, durante, largo período de
tempo, por acção directa e por diversa propaganda, vem incitando a população
daquela nossa Província e os portugueses que residem na União Indiana, à luta
violenta e fraudulenta, e com o auxílio estrangeiro, para separar da Mãe
Pátria, a favor da União Indiana, aquela sagrada parcela do território
português.
Acentua
que, mais do que em qualquer outro caso e em qualquer momento se impõe agora o
uso da referida faculdade de avocação do julgamento.
É
notória a infundada, estranha e reprovável ambição, de aquela nação estrangeira
pretender anexar o que, há séculos, legitimamente apropriamos e foi objecto de
integração na terra portuguesa.
Todo
o mundo civilizado pôs já em relevo o infundado de tal ambição, que apenas
mereceu a repulsa geral e de todos os portugueses que amam a sua Pátria e têm
plena consciência do absurdo e da ilicitude de tais pretensões de expoliação.
Acrescenta
que os portugueses daquela nossa Província indiana têm mantido atitude de
calma, mas firme, dignidade, aguardando que a força da razão e do direito
convençam os transviados, como já sucedeu com o veredictum do Tribunal Internacional da Haia.
Todavia,
o julgamento na Índia portuguesa, do arguido que esqueceu os seus deveres de
português, pode determinar manifestação de paixões contra ou a favor do mesmo,
e impedir o ambiente de calma e de elevação em que deve ser administrada a
justiça.
Conclui
ser, por isso, necessário para a boa administração da justiça, que o julgamento
seja feito no Tribunal Criminal Plenário de Lisboa, onde o arguido, que se
encontra com residência fixa na Metrópole e a morar em Lisboa, onde o arguido,
que se encontra com residência fixa na Metrópole e a morar em Lisboa, verá
aumentadas as suas garantias de defesa com a sua própria presença em julgamento
e sem os inconvenientes apontados para o julgamento no tribunal normalmente
competente.
Apresentada
em sessão extraordinária e sem necessidade de vistos, de harmonia com as
disposições dos artºs 36.º, n.. 6.º, 671.º, § 2.º, e 484.º do Código de
Processo Penal, foi a mesma petição devidamente apreciada no seu objecto e nos
seus fundamentos.
Tem
fundamento legal a pretensão formulada.
Com
efeito, estabelece o art.º 13.º, n.º1.º, do Decreto-Lei n.º 35 044, de 20 de
Outubro de 1945, que compete ao Plenário do Tribunal Criminal o julgamento dos
crimes contra. a segurança exterior ou interior do Estado;
Relativamente
ao Ultramar, dispõe o artº 1º do Decreto nº 36 090, de 3 de Janeiro de 1947,
que é da competência dos Tribunais militares territoriais o conhecimento,
instrução e julgamento das infracções previstas nos artºs 163º a 176º do Código
Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 35 015, de 15 de Outubro de 1945.
Porém,
o Decreto-Lei nº 39 299, de 30 de Julho de 1953, mostra-se à evidência. A
competência do0s tribunais militares territoriais das províncias ultramarinas,
para julgamento dos crimes previstos e punidos pelos artºs 141º a 151º e 163º a
176º do Código Penal, como já se acentuou no acórdão deste Supremo Tribunal, de
14 de Dezembro de 1960, publicado no Boletim
do Ministério da Justiça, nº 102, a págs. 289.
E,
completando esta matéria e legislando ainda para o Ultramar, o artº 7º e seu §
único do já citado Decreto-Lei nº 37 732, de 13 de Janeiro de 1950, veio
estabelecer que compete ao plenário do tribunal criminal de Lisboa o julgamento
dos crimes referidos nos nºs 1º e 3º do artº. 13º do citado Decreto-Lei nº 35
044, cometidos no Ultramar, quando a secção criminal do Supremo Tribunal de
Justiça sob proposta do Procurador-Geral da República, mandar avocar o seu
julgamento ao tribunal criminal; neste caso, a competência territorial do
tribunal criminal de Lisboa considera-se extensivo ao Ultramar, abrangendo a
área dos distritos judiciais de Luanda, Lourenço Marques e Goa.
Ante
estes preceitos legais, é manifesta a competência dos tribunais militares
territoriais das províncias ultramarinas para conhecer do crime de que trata o
processo apresentado, e que a sua avocação é autorizada e pode ser pedida e
concedida, em face da lei.
Resta,
por isso, apreciar se há realmente razões que aconselhem essa avocação.
Ora,
as razões apresentadas, apreciadas sob o aspecto jurídico-penal com a
finalidade de concorrer para a boa administração da justiça, mostram que há, na
verdade, toda a conveniência em que a apreciação das responsabilidades do
arguido se faça em ambiente diverso daquele onde mais directamente podem estar
em efervescência as paixões e reacções provocadas pela propaganda de ideias
anti-patrióticas e anti-nacionais, e, portanto, num ambiente calmo e
desapaixonado, no qual a aplicação da lei se fará com mais serenidade, e até em
benefício do arguido que, estando presente ao julgamento, melhor poderá
defender-se da acusação que lhe é imputada.
Deste
modo, e dando aceitação à proposta do excelentíssimo Procurador-Geral da
República se decide, para todos os efeitos legais, que o julgamento do processo
que acompanha essa proposta seja avocado ao plenário do tribunal criminal de
Lisboa para ali seguir os seus devidos e regulares termos.
Entregue-se,
com certidão desta decisão, o processo em referência ao excelentíssimo
Procurador-Geral da República.
Sem
imposto de justiça, por a ele não haver lugar.
Lisboa, 10 de
Mato de 1961.
Eduardo Coimbra (Relator) - Mário Cardoso - F. Toscano Pessoa - Barbosa Viana -
Amorim Girão.
Este é para contrabalançar o documento com as corajosas alegações do MP publicado no outro dia, não é ? Gosto especialmente do argumento que frisa que a avocação é do interesse do réu, uma vez que permite que ele esteja presente para se defender. Acho que o argumento devia ser usado mais vezes, por exemplo para justificar a prisão preventiva (ex : o réu oferece garantias de representação, no entanto a detenção preventiva é do seu interesse, pois constitui uma garantia suplementar da sua presença para se defender...).
ResponderEliminarBoas