A intimidação do jornalista é o principal objectivo desta
sentença.
Rafael
Marques, pela prática de 12 crimes de denúncia caluniosa, foi condenado no
passado dia 28 de Maio pelo Tribunal Provincial de Luanda, na pena de 6 meses
de prisão suspensa na sua execução por dois anos, a retirar o livro Diamantes
de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola do mercado, incluindo através da
internet, bem como a não o reeditar nem traduzir.
Esta condenação, que transforma Rafael Marques num cidadão
de terceira classe uma vez que passou a ter pendente sobre si a ameaça do
cumprimento, à partida, de 6 meses de prisão caso se “exceda” nas suas
denúncias, surgiu como uma surpresa, uma vez que se sabia que Rafael Marques
tinha dado explicações aos generais e às empresas que lhe tinham movido o
processo-crime e que estes haviam, em seguida, desistido das queixas.
Na
verdade, o julgamento tivera início, com grande impacto internacional, no dia
14 de Maio, tendo Rafael Marques prestado declarações quanto às acusações de
tortura e homicídio que fazia no livro, reafirmando que estava convicto da
veracidade das denúncias que fizera por ter investigado os factos e ter ouvido
testemunhas. Mais esclareceu que nunca afirmara que os generais/administradores
das empresas em causa tivessem pegado numa pistola para matar seja quem for mas
que os nomeara e responsabilizara por serem os donos das empresas para quem
trabalhavam os que tinham praticado tais actos.
Interrompido
o julgamento, após a audição de uma testemunha, e marcada a sua continuação
para o dia 21 de Maio, Rafael Marques, seja através do seu advogado seja
directamente foi contactado por alguns dos queixosos no sentido de por termo ao
processo por acordo dadas as repercussões negativas que o mesmo estava a ter
para o país.
E no dia
21 de Maio quando o julgamento recomeçou, Rafael Marques explicou que, antes da
publicação do livro, não contactara directamente nem com os generais nem com as
empresas ofendidas antes o tendo tentado fazer através de intermediários e que
se os tivesse ouvido certamente o conteúdo do livro quanto às imputações que
lhes fizera seria diferente. Não lhes pediu desculpas mas declarou que, em
nenhum momento, pretendera ofender a sua honra e bom nome. Mais se comprometeu
a não reproduzir o livro tal como se encontrava e a suspender a sua venda. E
por último declarou que assumia o compromisso de continuar a monitorizar a
situação dos Direitos Humanos nas regiões diamantíferas em causa, reafirmando,
assim, a sua militância.
Face a
estas declarações e como havia sido acordado, generais e empresas ofendidas
desistiram das queixas pelos crimes de difamação e prescindiram das suas
testemunhas. O Ministério Público, no entanto, não desistiu do processo quanto
aos crimes de denúncia caluniosa – a lei não lho permitia – mas prescindiu da
totalidade das suas testemunhas.
Ficou,
assim, claro para todos que o processo deveria desembocar na absolvição de
Rafael Marques uma vez que os crimes de difamação seriam arquivados e não tinha
sido feito prova quanto à prática do crime de denúncia caluniosa.
É certo
que se provara que, em Setembro de 2011, Rafael Marques tinha apresentado uma
queixa-crime contra os queixosos por serem gestores das sociedades envolvidas
nas práticas de violações de direitos humanos que constatara no terreno, tendo
junto como prova o seu livro e indicado diversas testemunhas. E também se
provara que esse inquérito fora arquivado.
Mas
nenhuma prova existia – nem podia existir – que Rafael Marques fizera essa
participação ou denúncia consciente da sua falsidade. E essa consciência da
falsidade dos factos denunciados por parte do denunciante é essencial para
existir o crime de denúncia caluniosa que, em Angola, acrescente-se, é previsto
pelo Código Penal português de 1886.
Foi
marcada a leitura da sentença para o dia 28 e, nesse dia, o tribunal quanto aos
factos em discussão só se pronunciou sobre dois: deu como “Provado” que Rafael
Marques era o autor do livro Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em
Angola e deu como “Não provado” que as acusações que fizera fossem
verdadeiras.
Estava,
assim, em termos dos factos, fundamentada a absolvição de Rafael Marques uma
vez que o tribunal não dera como “Provado” – nem se pronunciara – sobre a
consciência que Rafael Marques teria tido da falsidade dessas acusações,
requisito essencial para a condenação.
Mas assim
não aconteceu: o tribunal, numa sentença juridicamente caótica, decide pura e
simplesmente que Rafael Marques sabia não ser verdade o que denunciara sem se
fundamentar em qualquer elemento de prova. E, com este passe de mágica
jurídica, condenou-o, como acima referimos, como autor de 12 crimes de denúncia
caluniosa em seis meses de prisão!
Uma
sentença política e anti-jurídica de que Rafael Marques já recorreu para o
Tribunal Supremo.
Francisco
Teixeira da Mota
Publicado
no jornal Público, de 5/6/2015, e
aqui reproduzido com autorização de Francisco Teixeira da Mota, a quem se
agradece
Devo dizer( como leigo em questões jurídicas )que este caso me deixa um pouco perplexo.Admitindo todas as peripecias processuais que como disse não entendo ou melhor não tenho capacidade para questionar, o que me arranha o espírito é que elas ocorram.Passo a explicar.Pensava eu que pelo que ouço sobre o "clima" em Angola que estas situações não chegassem aos tribunais.Não sei se me faço entender.Sei que ha o argumento de que o caso é mediático etc e tal .Não sei ,mesmo assim sempre pensei que fosse pior o estado da justiça em Angola.Estou a ser sincero não estou a fazer ironia.Este caso será excecional?E se é, porque?
ResponderEliminarNão acredito que alguém denuncie casos desta natureza sem os investigar. Porém, se são verdadeiros - e toda a gente tende a crê-lo -, por que razão o autor (escritor) vem depois afirmar essas meias verdades de não ter acusado as empresas nem os outros donos de Angola. É assim como se com uma mão dissesse que são culpados e com a outra acenasse que não, e os direitos humanos que esperem que primeiro há que assegurar a vida (e tem grande parte de razão). Este é um mundo mesmo difícil.
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