impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 6 - CAB
CALLOWAY
Na autobiografia de Cab Calloway há
também aquele inevitável momento de matizes bíblicos em que das docas de Nova
Jérsia contempla pela primeira vez a silhueta evanescente de Nova Iorque
recortada à contraluz do pôr-do-sol, enquanto aguarda o ferry que o
transportasse, mais aos seus Alabamians. Aliciados por Chick Webb iam avassalar
a Terra Prometida apresentando-se no soberbo Savoy Ballroom.
Porém, a confiança que traziam
desbaratou-se logo nas primeiras núpcias. Coubera à banda de Calloway – radioso
no seu smoking branco, dirigindo-a com uma batuta ainda mais branca – alternar
com a de Cecil Scott. Se em Chicago os pés dos noctívagos jubilavam nas
delícias do previsível dixieland dos Alabamians, em Nova Iorque esse estilo musical
esvaziava a pista de dança do Savoy, ampla o suficiente para os quase cem pares
que saltitavam à roda do swing de Scott. O fiasco foi coroado pela notificação
da gerência, emitida na própria noite de estreia: cumprir-se-ia o contrato de
15 dias, de modo que não houvesse lugar a indemnização, mas depois que fossem à
vida.
Bem avisara Cab Calloway os parceiros
que os tempos mudam com os lugares e que em Nova Iorque o jazz ganhara outro
figurino, talhado por Fletcher Henderson e cerzido por Duke Ellington – o
swing. Não o quiseram ouvir e constrangeram-no a uma música chata e
provinciana; pois regressassem a penates a Chicago; ele ficava, ciente das
oportunidades de oiro que a época lhe oferecia. Estava-se em Novembro de 1929,
um mês depois do histórico craque da bolsa. Das janelas dos escritórios de Wall
Street projectavam-se os capitalistas mais honrados ou envergonhados, penhorando
a falência com a vida e nas ruas a proporção de desempregados ia suplantando a
de assalariados. Em resumo, o tempo era mais do que nunca propício ao jazz,
pois é um dado histórico insofismável que nas crises fertilizam, como em nenhuma
outra conjuntura, o entretenimento e a diversão.
Bastaria não mais do que um ano de
aplicação e progresso para que Cab Calloway fosse convidado a preencher, com a
sua nova orquestra, a vacatura de Duke Ellington no selectíssimo Cotton Club,
enquanto este ia em digressão. A seguir, em 1931 escreve a composição que haveria
de o amarrar até ao fim: “Minnie the Moucher”. Em 1934, decidido a não ceder a
primazia que gozava entre as orquestras mais populares, Calloway segregou do
swing um subgénero que o vocativo popular apodou de jive e na rádio se
afidalgou com a graça de jitterburg. Ou seja, enquanto a América ameaçava
desmoronar nas suas bases económicas, Cab Calloway ascendeu da obscuridade à
consagração no hiato de cinco anos.
This
Is Hep
2008
Proper - 141
Cab Calloway (maestro, voz), Doc Cheatham (trompete),
Wendell Culley (trompete), Lammar Wright, Jr. (trompete), Jerry Blake
(clarinet), Garvin Bushell (clarinete), Earl Hardy (trombone), Chu Berry
(saxofone tenor), Al Gibson (saxofone tenor), Ben Webster (saxophone tenor),
Ike Quebec (saxophone tenor), Milt Hinton (contrabaixo), Cozy Cole (bateria),
etc.
A letra de “Minnie the Moucher” seria um
caso de polícia, não estivessem as autoridades, à época, tão distraídas ou
relaxadas (o que viria a acabar, por exemplo no cinema, com o Código Hays de
1930), ou incapazes de penetrar o significado de um calão em que “cockey”, tal
como é descrita a personagem de Smokey na canção, significava consumidor de
cocaína e em que “kicking the gong around" queria dizer fumador de ópio.
Por outro lado os versos de “Scat Song” são de um absurdo surrealizante, com um
scat de sílabas meramente eufónicas: “sing this silly language / whithout any
reason or rhyme.” Para interpretar estes “disparates” Cab Calloway extrapolava
do “jungle style” de Ellington um registo histriónico e literalmente
descabelado, a resvalar para o grotesco, exagerando os tremolos e as guturalizações.
À tepidez da normatividade social
contemporânea a pose e o teor de Cab Calloway e da sua música fariam escândalo.
Um negro a desenvolver e devolver a ilustração do selvagem, temerariamente a
brincar aos macacos, descomedindo-se em referências rascas num consumado e
eufórico mau-gosto, vexando a sua música com um carnaval de efeitos “malucos” a
puxar à gargalhada, tudo isto nos dias politicamente correctos de hoje seria
reprovável senão ofensivo. Apesar desta difícil digestão, Cab Calloway
transitou para o foro da cultura – quantas vezes um pudim que empastela e
nivela a arte – pelo tubo da história, recolhido como peça de museu insólita e
anacrónica. Será talvez mais admirado do que estimado, mas seria uma pena que
por credo ou preconceito fosse subestimado o fulgor da sua música descomedida e
desconformada, sem medo do ridículo nem do espalhafato – é só experimentá-la.
José Navarro de Andrade
Não gosto de jazz de orquestra.
ResponderEliminarPor isso não tenho nenhum deste.
Vou entretanto colocar uma pequena surpresa, onde ele está de tabela.
Um filme:Cotton Club.Pois ,mas começou assim em orquestra.
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