–
Já vejo onde quere chegar, Amélia. Não esqueça, porém, que, nós os portugueses,
em contacto, durante séculos, com as mais variadas raças, tivemos cruzamentos
de que a nossa gente ainda hoje se ressente. Eu próprio ignoro, e pouco isso me
preocupa, se nas minhas veias correrá certa percentagem de sangue árabe, tão
longo foi o domínio muçulmano na península ibérica.
–
Tem razão, meu amigo. Mas Você deverá lembrar-se de que eu, embora branca, como qualquer europeia, não
passo também de uma autêntica mestiça (ou mulata, como Vocês dizem), e bastante
próxima dos meus antepassados africanos para que, por um fenómeno ancestral,
admitido pelas ciências médicas, bem suas conhecidas, eu possa dar à luz um filho
de côr. Não seria isso, para si, um sério motivo de desgosto?
–
Nunca pensei em semelhante hipótese que, só como caso verdadeiramente
esporádico, se poderia vir a dar – disse José Marques.
–
Admita, porém, que esse estranho fenómeno se produzia comigo? – disse Amélia. –
Eu, por mim, morreria de desgosto; e Você não poderia ficar muito satisfeito.
–
Era então esse o motivo da sua indecisão em aceder ao meu pedido?
– Evidentemente. E acha que não tem
fundamento bastante o meu retraimento, ou antes o meu escrúpulo em fazer de si
meu marido quem, como já lhe disse e repito, muito gosto, sabendo que mais
tarde o viria a presentear com um filho preto?
(Alexandre Malheiro, Amaram-se na Selva, Porto, Domingos
Barreira Editor, s.d., pp. 184-185, itálicos no original)
Gostei imenso das vírgulas e do fenómeno ancestral admitido pelas ciências médicas. Que pena o diálogo não ter a sensualidade que se adivinha no título...
ResponderEliminarMalandra.Já a preparar qualquer eventualidade que isto é mesmo assim e ninguém sabe o dia de amanhã...
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