segunda-feira, 1 de julho de 2013

Poesia, a novíssima: entrevista a David Teles Pereira.

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- David, com o Diogo Vaz Pinto e a Ana Antunes, fundaste a «Criatura». Em que consiste este projecto?
Quando entrei no projecto já era para se fazer uma revista de poesia. Mas o motor da iniciativa foi uma ideia do Diogo um bocado anterior e que, com o tempo, se transformou numa oportunidade para editar uma revista. Foi aí que eu entrei. Esteve para ser outra coisa, uma revista mais na área cultural e menos na da produção literária, mas felizmente acabou por se encaminhar para o que é hoje. O que é? Era na altura (em 2008) e julgo que continua a ser a única revista que publica única e exclusivamente textos de poesia. Nasceu no seio da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, apesar de nenhum de nós os três alguma vez ter participado no movimento associativo estudantil, e entretanto autonomizou-se e hoje em dia é um projecto pessoal do Diogo, da Ana e meu. O código genético também acabou por se alterar um pouco com o tempo. Os primeiros números centravam-se quase exclusivamente na publicação de novos poetas, os mais recentes já nem tanto. Aquilo que procuramos para fazer a revista agora centra-se muito mais nos poemas e muito menos nos seus autores, apesar de qualquer um dos três directores ter o maior gosto em lançar poetas jovens e inéditos na Criatura. Para explicar de forma simples como funciona a selecção, pedimos a um conjunto de autores que nos interessam um número significativo de textos e, depois, a partir daí, delineamos os conjuntos de cada autor a nosso gosto. Não fazemos propriamente um trabalho de edição dos textos, mas fazemos, muito mesmo, um trabalho de edição dos conjuntos. 
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- Ao publicarem, querem ser lidos. Mas a vossa política de nunca fazer segundas edições, já seguida pela «Averno» do Manuel de Freitas, não contradiz esse propósito? Se os livros, com tiragens baixas, de 200 ou 300 exemplares, se esgotam, como é possível depois queixarem-se de que a poesia está a morrer, que é conhecida apenas por 200 ou 300 pessoas?
Isso não é bem verdade. Em primeiro lugar, a Língua Morta não tem uma política de nunca fazer segundas edições. Alguns dos livros do nosso catálogo são segundas edições de obras já anteriormente publicadas, ainda que noutras editoras ou em edições de autor (o Avulsos, por Causa da Renata Correia Botelho é um exemplo disso). Posso até acrescentar que um dos próximos livros da Língua Morta será uma reedição alargada de um dos primeiros do nosso catálogo, editado numa altura em que os livros ainda eram encadernados à mão em casa do Diogo, num processo quase todo artesanal.
Depois, tirando casos muito particulares, como o Al Berto ou o Herberto Helder, até o próprio número de 300 leitores é uma estimativa muito optimista para qualquer outro poeta. A maioria das tiragens da Língua Morta são inferiores a esse número e o tempo que, ainda assim, demoram a esgotar leva-nos a concluir que estas pequenas tiragens vão de encontro ao universo de leitores. A ideia de que com pequenas tiragens se perdem leitores de poesia é completamente ridícula. De facto alguns livros da Língua Morta são uma raridade pelas pequenas tiragens que tiveram, mas a quem interessam verdadeiramente, para lá das pessoas que já os compraram antes de esgotarem? Talvez vendêssemos mais uns quantos exemplares se reeditássemos alguns dos esgotados, mas os custos de reedição dificilmente seriam compensados e, numa editora que sobrevive graças ao investimento pessoal dos seus editores, mais vale andar para a frente e ir publicando mais livros e melhores livros, do que revisitar o catálogo dos esgotados.
E também não é verdade que a poesia esteja a morrer. Infelizmente, num artigo publicado no Ípsilon fui citado a dizer isso, mas o que eu disse foi bem diferente, foi que a edição de poesia está a morrer. A edição de poesia em Portugal corre, maioritariamente, pelas pequenas editoras e pelas edições de autor. Todos estes projectos ou são encarados numa perspectiva apenas de curto prazo ou então dependem de um investimento de tempo, energia e dinheiro que poucas pessoas estão dispostas a fazer e que a longo prazo é insustentável. Eu e o Diogo perdemos dinheiro com a Língua Morta desde o dia em que a editora começou, pelo que chamarmos a isto um projecto é até uma hipérbole. Não sei se todas as pequenas editoras perdem dinheiro a editar poesia, mas tenho a certeza que a sua subsistência certamente não é fundada na viabilidade económica. O que está a morrer não é a poesia, isso seria ridículo. Mas as pequenas editoras não são, para a poesia, uma solução viável. O seu reino instalado, na poesia portuguesa, não é uma solução, não é uma cura, é apenas um sintoma de uma grave patologia. Na melhor perspectiva, estas editoras são paliativos para um animal moribundo o qual, daqui a pouco, será mais recomendável para o abate que para o tratamento. O espaço em que a Língua Morta conseguiu crescer – não economicamente, mas em termos de catálogo – é um espaço que em condições normais nos estaria vedado, porque as grandes editoras negligenciariam a dois miúdos com menos de trinta anos a publicação de poetas como o António Barahona ou o Abel Neves. Mas o que acontece é que os grupos editoriais não querem saber disto, preferem as inanidades do José Luis Peixoto sobre a Coreia do Norte ou aquele professor de escrita criativa confeccionado em micro-ondas que é o João Tordo. Dizem que é o que vende, como se esses grupos editoriais fossem apenas máquinas de satisfação dos desejos dos leitores e não tivessem qualquer papel na determinação do que vende e não vende. Concluindo, não se trata da morte da poesia, como a incompetência apocalíptica de alguns pressagia, mas antes da morte da sua acessibilidade, da morte do seu circuito eficiente de distribuição que procura permitir que o número de leitores suplante satisfatoriamente o número de autores.
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- Na tua poesia, que influências reconheces como mais marcantes?
Esta é daquelas questões em que os escritores se espalham à grande. Umas vezes parecem presunçosos, outras vezes a coisa tresanda a falsa modéstia. O mais sincero que posso dizer é que a minha condição de leitor de poesia antecede a de escritor e provavelmente vai sobreviver-lhe. Não sei se são propriamente as influências que mais se reconhecem na poesia, mas eu escrevo porque li T. S. Eliot, Philip Larkin, Zbigniew Herbert, Robert Frost, Gregory Corso, Sylvia Plath, Gottfried Benn, Georg Trakl, Else Lasker-Schüler, Paul Celan e é melhor parar aqui com a enumeração. Ao mesmo tempo, tenho a intuição que há outras coisas que leio, completamente fora da poesia – ou talvez nem tanto – e que marcam profundamente aquilo que escrevo. Estou a pensar, por exemplo, nos livros de história e de filosofia política que leio para os meus trabalhos académicos. Acho que posso ir ao ponto de dizer que a biografia do Frederico II ou The King’s Two Bodies do Ernst Kantorowicz influenciam muito aquilo que escrevo. Não tenho qualquer pudor em dizer que foi através do Kantorowicz que descobri as peças históricas do Shakespeare – principalmente o Ricardo II – ou através do Carl Schmitt que me dediquei a ler o Hamlet. Uma pessoa hoje em dia ao dizer que o Shakespeare ou o Dante são influências corre o risco de ser ridicularizado, mas reconhecer que um autor desta condição nos anima a escrever está longe de corresponder a uma comparação entre aquilo que escrevemos e aquilo que ele escreveu. Grande parte dos autores mais novos escuda-se com referências do século XXI ou do XX. Foi isso que fiz lá atrás, mas talvez não haja melhor demonstração de humildade num autor de vinte e tal anos que perceber que a língua em que escreve é, também, a língua do Shakespeare e do Dante: não o inglês ou o italiano, mas a poesia. Andamos todos a escrever numa língua que alguém há séculos atrás, já praticou de uma forma sublime.
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- A terminar: projectos para o futuro?
A Língua Morta é o meu projecto presente e futuro.
 
 
  
Entrevista de António Araújo



 

3 comentários:

  1. Interessantíssima entrevista, caro A. Araújo, especialmente, como sempre deve ser, creio eu, pela palavra, no caso, do interessantíssimo entrevistado.

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  2. Caro António Araújo: enviei um "tweet" para a conta do Malomil (como "@Rebolico), mas não sei se o consegue receber. Como posso enviar-lhe um comentário privado? Muito obrigada. Ana Soares

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    Respostas
    1. Cara Ana Soares

      Pode mandar para o mail do blogue: malomil.brindes@gmail.com

      Cordialmente

      António Araújo

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