segunda-feira, 1 de julho de 2013

Moçambique: notas de campo (11).

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Estar no sítio certo à hora marcada pelo destino aconteceu esta tarde quando saía do Macurungo por uma estrada de terra batida, ao mesmo tempo que o tique-taque de um selecto Jaguar. Nas ruas movimentadas daquele subúrbio típico da cidade da Beira, em Moçambique, como nas restantes, já me tinha cruzado pouco antes, como quase todos os dias, com águas paradas, lixeiras a céu aberto, animais domésticos que andam por ali, entre galinhas e cães, casas demasiado próximas umas das outras, pessoas que transportam água em bidões porque não é de acesso fácil, mercados de rua sem grandes cuidados higiénicos onde um dos negócios habituais é a venda de fritos e bolos prontos a comer, preparados e expostos ao ar livre, pelos vistos com muita procura, ou pessoas que atiram lixo para a tâmega, como designam os canais de esgotos a céu aberto em homenagem a uma empresa do tempo colonial. E moscas. Muitas. Invariavelmente faz também parte da paisagem um sem-número de crianças de todas as idades, mesmo em horas de escola. Pairam simplesmente por ali. Está certo que algumas preocupadas em despachar os tpc’s à vista da vizinhança e dos transeuntes. Depois, para reconfortar a vista, não me fez mal ver uma cápsula asséptica de ar-condicionado quase silenciosa, saída de um mundo aparentemente paralelo. Perante isto, a comunidade internacional discutirá vivamente a corrupção. Talvez quando o Jaguar for arrancado ao dono pela justiça de um tribunal internacional ou quando vier uma qualquer revolução e o preço da sua venda for repartido em migalhas por aqueles pobres, o seu mundo ficará melhor. Quem sabe bem. Os pobres alcançarão justiça. Pelo que é comum dizer-se, num mundo justo o dinheiro seria sobretudo deles, não fossem os desvios imorais de uns pouquíssimos homens e mulheres seduzidos pela ganância. Entretanto, muitos mais anos passarão e continuaremos a fazer vista grossa à questão da natalidade. O maior problema daquela paisagem naquele momento não era o Jaguar. Bem pelo contrário. Pelo menos para mim e para outros que olhavam entre o divertido, o respeitoso ou o indiferente.
 
 
Gabriel Mithá Ribeiro

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