Entrada do Cemitério Judaico em Praga-Olsani
Há muito de
infantil na nossa relação com a arte. Existe alguma, ou mesmo muita, puerilidade na forma como
apreciamos, maravilhados, as figuras cómicas de Arcimboldo, os infernos de Bosch ou os
paraísos terrestres de Edward Hicks. Somos capazes, inclusivamente, de achar
graça às cenas mais dramáticas, devido à forma como são apresentadas: doentes
e moribundos em ex-votos piedosos e
ingénuos, por exemplo. Ou aqui, no ciclo de pinturas da Sociedade Funerária de
Praga. Ao longo dos séculos, do enterro dos judeus se encarregaram ONG’s avant la lettre, as Chevra Kaddisha Gomle Chasadim (Irmandade dos Que Praticam Actos de
Caridade, numa tradução barbaramente literal). A Sociedade Funerária de Praga foi fundada em 1564
e, em finais do século XVIII, o core
business da sua actividade foi pintado num conjunto de quadros, de autor
desconhecido. Os quadrinhos, postos em sequência, assemelham-se a uma banda
desenhada macabra. Mas, ainda assim, encantadora para a infantilidade do nosso
olhar. É dos bens mais preciosos que temos: continuarmos a ver o mundo como
crianças. Talvez pensando que iremos viver para sempre, que nunca iremos precisar
dos cuidados de uma sociedade funerária. Disse Guicciardini,
erudito do Renascimento: «Vamos morrer. E, no entanto, vivemos como se fôssemos
viver para sempre». Ainda bem!
Para o João Paulo Cotrim,
que gosta de banda desenhada e vai viajar para Praga.
|
Sem comentários:
Enviar um comentário