quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Dia da Mãe.



 
Kurt Reuber
Madonna de Estalinegrado
1942

 
 

         Impressionou-me quando a vi pela primeira vez em Berlim, exposta na Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche. Mas, estupidamente, não lhe dei a atenção devida, nem a apreciei e estudei como merece. Para mais, é grande, tendo 90 cm por 1,20m. Madonna de Estalinegrado, porque hoje é Dia da Mãe.
 
 
Kurt Reuber (1906-1943), auto-retrato
 
 
 
         Desenhada a carvão por Kurt Reuber, uma Mãe abraça o Filho, amparando-o sob o calor do seu manto. A figura é ladeada pelos dizeres: «Luz, Vida, Amor», do Evangelho de São João, e «Natal no Cerco 1942». Foi feita em Dezembro de 1942, durante a batalha de Estalinegrado, e o seu autor, Kurt Reuber, é uma personalidade fascinante e trágica. Médico, teólogo, pastor protestante, artista, era amigo de Albert Schweitzer, sendo convocado em 1939 para servir o Reich, ainda que as autoridades o olhassem como um subversivo, dadas as posições antinazis que frequentemente assumia nas suas prédicas. Em finais de 1942, Reuber integrava a 16ª Divisão Panzer, pertencente ao 6º Exército, a qual seria cercada pelas tropas soviéticas. Entre o frio e a fome, na iminência de uma morte certa, o médico do 6º Exército decidiu desenhar uma mãe e um filho, com as cabeças encostadas uma à outra, abrigados por um manto. «Procurei simbolizar “segurança” e “amor materno”. Lembrei-me das palavras de São João: luz, vida, amor. O que poderia acrescentar mais?». Nas trevas do seu abrigo, o Dr. Reuber desenhou a Virgem e o Menino, utilizando um lápis minguante e o verso de um mapa que fora capturado aos russos. Terminada a obra, abriu a porta do seu abrigo, seguindo um antigo costume de Natal. Os homens foram entrando, ficando em silêncio na contemplação de uma Mãe desenhada nas costas de uma carta militar. Foi lá, diante da Madonna, que celebraram o Natal. Na véspera de Natal, morreram 26 soldados, a juntar às dezenas de milhar que tinham perecido entretanto, muitos dos quais abandonados pelo caminho, cadáveres sepultados pela neve. Kurt Reuber passou o Dia de Natal a cuidar dos feridos, dos moribundos. À noite, o comandante abriu a última garrafa de champanhe que tinha, mas a celebração foi subitamente interrompida pelas bombas que começaram a cair em seu redor. Um homem, prestes a morrer, cantou nos últimos momentos de vida O du Frohliche, uma canção do Natal da sua infância, no tempo da segurança e do amor materno. No princípio de Janeiro, o cerco terminou com a detenção dos soldados alemães que restavam. Entre eles, Kurt Reuber. Antes disso, por milagre, o último avião que voou de Estalinegrado para a Alemanha trouxe consigo o desenho de Reuber, que o dera ao comandante da unidade. Reuber seria preso pelos russos e levado para o campo de Yelabuga, cerca de mil quilómetros a nordeste de Estalinegrado.
 
 
Kurt Reuber
Madonna dos Prisioneiros
1943
 
 
        No campo de Yelabuga, e também por alturas do Natal, Reuber desenharia em 1943 a Madonna dos Prisioneiros, que, juntamente com algumas cartas, foi entregue à sua família. Entre elas, a tocante Carta a uma Mulher e Mãe Alemã – Advento de 1943 (um trecho, aqui). Poucas semanas depois, a 20 de Janeiro de 1944, Kurt Reuber morreria, vítima de tifo. Dos cerca de 95 mil prisioneiros de guerra alemães capturados pelos soviéticos, apenas 6.000 sobreviveram ao cativeiro.  
 
Kurt Reuber (de óculos), a tratar um ferido em campanha


Kurt Reuber, a desenhar, na frente de combate
 
 
         O original da Madonna de Estalinegrado seria colocado, muito mais tarde, na Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche, na sequência de um pedido do Presidente da Alemanha, Karl Karsten, à família de Kurt Reuben. Foi lá que a vi, apressada e turisticamente. Em sinal de reconciliação entre a Alemanha, o Reino Unido e a Rússia, existem cópias nas catedrais de Coventry, Kazan e Volgogrado (antiga Estalinegrado), bem como em diversas igrejas alemãs (ver a lista aqui). Fizeram-se  poemas, vídeos e múltiplas recriações pictóricas de gosto duvidoso, e também estudos académicos, densos e profundos (ver também esta interessante nota).
Mas, apesar das réplicas e recriações, insiste-se: o desenho original, saído das mãos de Kurt Reuber, encontra-se em Berlim. Foi lá que o vimos, eu e a minha Mãe.
 
 
António Araújo 
 
 
 
 

1 comentário:

  1. E O PRÉMIO PARA O JOSE LUIS PEIXOTO'''???Parece de propósito para aborrecer o Sr do blog.

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