O “LONGO TERRAMOTO”:
A crise da consciência portuguesa durante o final do século XIX
“A República, em verdade, feita
primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes,
e refeita depois pelos partidos
jacobinos, que tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo,
a tomam como uma carreira, seria em
Portugal uma balbúrdia sanguinolenta.”
Eça de Queiroz, 1880
1. A crise finissecular e a surto da
literatura decadentista
Entre as principais obras
que pertencem a essa impressionante seara crescida a partir de finais de
oitocentos em redor do tema obsessivo da decadência e da crise que Portugal
manifestamente sofria, como maior e candente agressividade e visibilidade no
tal “longo terramoto” a que aludia o autor do Portugal contemporâneo após o trauma do Ultimatum britânico,
destaquemos uns quantos títulos maiores: Alberto Sampaio, artigo “Ontem e hoje”
na Revista de Portugal de Eça, 1892)[1], António
Nobre, Só (Paris, 1892), Teixeira
Bastos, A Crise. Estudo sobre a situação
política, financeira, económica,
social e moral da Nação portuguesa, Porto, 1894), Alberto de Oliveira, Palavras loucas (Coimbra, 1894), Teófilo
Braga, A Pátria portuguesa (Porto,
1894),[2] final da publicação d’Os Gatos de Fialho de Almeida (1888-1894), Silva Cordeiro, A Crise em seus Aspectos morais
(Coimbra, 1896), Guerra Junqueiro, A
Pátria (Porto, 1896)[3],
Augusto Fuschini, Liquidíções políticas
(Lisboa, 1896) e O Presente e o Futuro de
Portugal (Lisboa, 1899), Júlio Dantas, Nada
(1896), José Duro, Fel (1898),
Luís de Magalhães, D. Sebastião
(1898), Gomes Leal, Fim dum Mundo
(1899), Sampaio Bruno, A Ditadura
(Porto, 1908), António Patrício, O Fim
(1909), etc.
2. Recomeçar o liberalismo
Uma série de correntes,
vogas estético-ideológicas e ismos atravessam, dest’arte, o período que medeia
entre o início da Crise nacional dos anos 90 até à revolução de 1910:
neogarretismo, simbolismo, decadentismo, sebastianismo – branco (nacionalista),
vermelho (republicano) –, pessimismo, misticismos de inspiração católica (mais
exactamente neofranciscana ou neotomista), neoromanticismo historicista, além
de várias vertentes do nacionalismo – o neogarretismo tem essa feição vincada,
mas, como o sublinhou já Óscar Lopes, a apologia dum folclorismo retrógrado e
nacionalista ia de par, no livro Palavras
loucas (1894) de Alberto de Oliveira, com a apologia do voluntarismo
optimista e republicano de José Falcão[4] -, complexo
ideológico e tumultuoso lago de concepções e metáforas ao qual toda a intelligentzia lusa de barrete frígio se
ia municiar de ideias, lugares-comuns e slogans[5],
sobre um fundo de idealismo e positivismo, e que se traduzia, entes de mais, em
obras voltadas para uma forte acentuação da visão da história de raiz liberal
iluminista, - amplificada pela experiência essencial e determinante da Revolução
Francesa (1789-1799), o que levaria João Chagas a garantir que a obra dos
republicanos portugueses era simples, já que consistia em corrigir uma falta e
remendar um erro: ”O nosso ideal não é construir um mundo – é apenas construir
uma casa – a nossa casa – segundo o plano que nos legaram os arquitectos de 89
(...). O que temos a fazer não reclama titãs, reclama pedreiros”,[6] ou
seja, assumindo de modo evidente um simples recomeçar do Liberalismo, porque
neste vigorara sobretudo a feição “orleanista” da monarquia constitucional
brigantina, inclinada a degenerar em sistema autoritário – foi esse o sentido
do desvio ditatorial do Franquismo assumido por João Franco e o seu Partido
Regenerador Liberal - aliás com o assumido beneplácito de D. Carlos e em
consonância com a teorização do “engrandecimento do poder régio” do antigo socialista e republicano da Geração de
70 chamado Oliveira Martins -, desde os anos 90, com o apoio de algumas franjas
parlamentares da “Vida nova” do Partido Progressista encabeçadas pelo citado
historiador.
Rua de O Século, Lisboa
Fotografia de Joshua Benoliel
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Bem ao
contrário, o republicanismo mais aguerrido dos anos 90 constituiria uma inegável
acentuação do paradigma vintista ou setembrista do nosso longo e acidentado
liberalismo oitocentista, o que é visível
tanto em Basílio
Teles como em várias obras de mesmo Chagas,[7] esta última de forte aposta no
revolucionarismo que culminaria no 5 de Outubro com a implantação do regime
demoliberal republicano, cuja carreira, todavia, nos dezasseis anos que
duraria, ao invés do sonhado e pulcro regime redentor da Res Publica palingenésica enaltecido pelas hostes do barrete frígio
lusitano, mostraria antes degradar-se no pesadelo da tal “balbúrdia
sanguinolenta” profetizada por Eça de Queiroz, ou seja, essa caótica e sempre
atribulada democracia frágil e sectária, entrecortada de golpes militares,
intentonas revolucionárias, desordens sociais, conflitos com a classe operária
e o mundo católico, vítima este da delirante sanha anticlerical de Afonso Costa
– cujo nome simbólico de “irmão Platão”,
no grémio do avental, era no mínimo paradoxal –, regime cambaleando num desfile
de governos que permaneceriam em funções numa média de duração de apenas três
meses e meio para cada um, degolado pelas durindanas castrenses, em 1926, pelo
general Gomes da Costa, prólogo fatal à Ditadura de que Salazar seria o
meticuloso obreiro e arquitecto.
Em suma, é
evidente que, num campo mais acentuadamente ideológico e político, o ideal
republicano, neste final do século, após os dois grandes e traumáticos abalos
telúricos institucionais e morais do país, que a Crise económico-financeira
viria potenciar até à exasperação total e explosão revolucionária – do Ultimatum inglês resultaria a precipitada
mas fatal revolta portuense de 1891, sua consequência imediata e lógica, com
alguns exílios e desterros, na Europa, no Brasil e na “costa-de-África”, para
os condenados pelos tribunais militares do Porto) - oscilava entre uma opção
moderada ou “girondina” (v.g., João Chagas), por oposição ao republicanismo radical,
inspirado no Comité de Salut public
no governo da Convenção dominada pelos jacobinos, até ao Thermidor, i.e., a
opção “jacobina” (v.g., Basílio Teles), sobretudo, despojada de qualquer
inspiração socialista,[8]
liquidada com o suicídio de Antero e só realmente regressada ao nosso panorama
ideológico e social em 1973, graças aos bons ofícios e argúcia de sagaz
político alemão Willy Brandt (1913-1992), que reuniu em Bad Munstereiffel ,
nos arredores de Colónia, um apressado mas eficiente congresso de portugueses que
fundou o nosso Partido Socialista, a tempo de assistir à revolução de 25-V-1974
sem ser devorado pelo furor das mandíbulas estalinistas de Álvaro Cunhal e dos
seus sequazes.
Tudo isto
derivava, no fundo, do apagamento progressivo e fatal da opção socialista de
parte da geração de 70 – na qual participara inicialmente Oliveira Martins, o
único socialista que lidara com operários, ainda por cima na bravia Espanha – resultante
da “carência entre nós da grande indústria (que levaria o nosso partido
socialista a dispersar, sem exercer uma influência proporcional às forças de
que chegou a dispor”, como observara Basílio Teles no seu famoso estudo sobre a
crise posterior ao Ultimatum britânico.[9]
3. O fundo económico-social da crise
oitocentista
Em suma, quando
a Crise dos anos 90 começa deveras, o nosso país, nas suas débeis e frágeis
dimensões das estruturas socioprofissionais economicamente activas, distribuía-se, em 1890, em 61 % no sector
primário (agricultura), 18,4 % no secundário (actividades industriais) e 20,6 %
no terciário (serviços), com um analfabetismo geral da ordem dos 74,1 % duma
população que contava com 4.660.095 habitantes, sendo este o Portugal profundo
e real da nossa tosca pirâmide social de actividades e alfabetização, com
uma minoria burguesa, citadina e culta,
e uma esmagadora massa rural – donde o significado realista do Zé Povinho,
labrego e sem escolaridade, como nosso perfeito totem ou emblema sociológico[10] –, com um quinto da população activa nos
serviços e, como cúpula do edifício arcaizante que éramos neste periférico
recanto do sudoeste europeu, empenhados na defesa e manutenção na nossa
Baratária africana, e essa massa enorme de gente iletrada. Uma vintena de anos
depois, em 1930, os números mostravam uma progressiva terciarização do país
(37%), um ligeiro recuo do primário (46%) e um avanço do sector secundário
(17%), assim como no início da década de 30, baixando ligeiramente o sector
primário (21%), embora este se mantivesse o mais expressivo. Seria preciso
esperar pelo começo da década de 70 para que o país deixasse de ser agrário,
estando então o primário em 32,6%, o secundário em 33,2% e o terciário em
34,2%. Só em 1991, já depois da revolução do 25 de Abril o censo revelaria que
o terciário era então a categoria socioprofissional mais forte, com 46,7%, o
primário reduzia-se a 19,2% e o secundário (indústria) ficando em 34,1%.
Rua de São José, Lisboa
Finais do século XIX
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4. A crise diagnosticada por Silva
Cordeiro (1896)
Neste
acervo de correntes distintas e, por vezes, entrecruzadas, a obra de Silva
Cordeiro merece especial atenção, até porque sendo escrita por um antigo
deputado – que fora eleito pelo Partido Progressista, no Porto, tal como
Oliveira Martins, nas eleições de 1887, sendo de presumir que se tivessem
conhecido na câmara durante esse convívio partidário, detalhe que o autor d’A Crise em seus Aspectos morais
(Coimbra, 1896),[11] todavia,
nunca menciona –, transcende as baias partidárias e afirma-se, no panorama
finissecular, como um dos monumentos mais relevantes do pensamento dessa época
e, no que aqui mais nos interessa, como uma análise de enorme lucidez acerca do
pensamento e da acção do nosso historiador, intimamente conexionados neste obra
de penetrante lucidez. Nessa medida, podemos garantir que estamos diante duma
obra extraordinária que goza dum estatuto em que atinge um nível que transcende
as habituais e até compreensíveis limitações ou debilidades conceptuais de
análise ou juízo historiográfico que embaciam a pureza dos espelhos que
intentam reproduzir a realidade envolvente, até porque o estudo saiu apenas
dois anos após o falecimento de Martins.
Esta obra constitui,
acima de tudo, uma original análise de três vultos da nossa cultura, Herculano,
“o primeiro iconoclasta”,[12] o
renegado Oliveira Martins e o incoerente Teófilo Braga, acabando por ser,
essencialmente, uma análise detalhada e muito completa do segundo vulto, tanto
na sua acção como no seu pensamento, estilo e simbolismo, procedendo ainda a um
exame atento das várias crises que se abateram sobre Portugal, os seus
mecanismos, raízes e efeitos (crise financeira, bancária e política, atitude
colonial da Grã-Bretanha e revolta do 31-I-1891 no Porto).
A obra inclui
balancetes bancários e mapas bancários (p.79), passando depois a considerar o
famoso “sindicato de Salamanca”( p.91 e ss), o grupo financeiro que detém os
caminhos de ferro, e suas vicissitudes ), com atenção ao caso do financeiro
Henry Burnay[13] os escândalos da bancarrota
do marquês da Foz e do Banco lusitano (p. 127 e ss), a crise generalizada dos
nossos bancos (pp.151 e ss), a crise brasileira e os eu impacto na nossas
finanças (p.179 e ss). Encerrado este longo e fastidioso prólogo
técnico-financeiro e bancário sobre a nossa crise, entra Silva Cordeiro no
exame da sua segunda personagem central desta obra, o homem que foi ministro da
Fazenda em 1892, em pleno fragor do terramoto nacional, aquele que agitou o
fundo das nossas almas e as estreito perímetro geográfico onde tínhamos a nossa
“metrópole” colonialista: “Oliveira Martins e o germanismo na política”[14] se chama este texto medular, cuja extensão
mostra bem até que ponto se está a tratar de um ponto fulcral quanto ao ideário
martiniano, pois este germanismo é,
de certo modo, a sua qualité maîtresse,
a sua mola real, uma vez que a Ditadura como produto da orientação cesarista do
nosso historiador “pertence à história pessoal e política de Oliveira Martins,
pois foi ele quem deu “a essas tendências vagas uma definição literária e expressão consciente”.[15]
Entrámos, em suma, no vif du sujet. Todas as longas e um tanto áridas considerações
anteriores sobre contas, sindicatos, grupos económicos, crise das companhias de
caminhos-de-ferro e escândalos das empresas envolvidas nessas operações não
passam do prólogo no céu desta drama
nacional que vai envolver o ingénuo Dr. Fausto, até ali, sobretudo, ao serviço
de Clio, agora ministro da Fazenda do gabinete Dias Ferreira, o seu sombrio
Mefisto, e o Rei estouvadamente temerário que queria ter um partido seu,
assumindo a tarefa, a glória e o
martírio final do processo do Engrandecimento do Poder Real pregado pelo
ex-socialista e republicano que dirigira, nos longínquos tempos das Conferências
Democráticas do Casino Lisbonense (Maio-Junho de 1871), uma exploração mineira
em Espanha e, agora, ainda há pouco deputado do Partido Progressista, ia descer
á Cova dos Leões, onde o esperam todas as feras do rotativismno e até as da
Liga Liberal e de outras camarilhas apostadas na mesma revisão radical dos
cânones liberais inscritos no lábaro azul e branco da Carta, aquela que fora
bandeira dos mindeleiros em 1832 – depois, na cidade sitiada do porto, cercada
pelas Oitenta Mil Baionetas de que falava Herculano n’A Voz do Profeta, numa metáfora expressiva sobre a dificuldade dos
combatentes cartistas, dizendo que muitos dos nossos liberais “tinham visto de perto a face da democracia
(...) por entre a selva” dessas lâminas miguelistas que tinham tido que as
“partir uma a uma nas mãos, para a liberdade triunfar.”[16]
Silva Cordeiro,
sublinhando no seu estudo que a acção e os escritos de Oliveira Martins tinham
sido de enorme importância no sentido de fazer vingar na esfera política mais
influente e na orientação régia a convicção de que o país estava perdido e que
só a criação dum “governo forte que restabelecesse a ordem na sociedade
portuguesa anarquizada, saltando por cima das fórmulas até onde fosse
necessário”, conclui que tal ideia não seria exclusivamente do autor do Portugal contemporâneo, mas que ninguém
contribuira mais do que ele, após uma “longa odisseia pela história e pelos
partidos”, escrevendo o Príncipe perfeito
– D. João II - que queria oferecer a D. Carlos como exemplo do que devia ser “hoje um rei português”.[17] Em
suma, Martins não inventara a fórmula ou a solução do partido do rei, mas
ninguém contribuira tanto para que ela “se definisse e impusesse aos
governantes”.[18] A oportunidade fora o
ministério extrapartidário de Dias Ferreira, assim como no especial e lógico
destaque que lhe dá Silva Cordeiro, sublinhando que a ideologia e a postura
políticas de Martins, esse “Cícero do novo reinado”,[19]
representara um momento importante no drama da consciência colectiva e de que a
ditadura Hintze/Franco, vigente na altura em que o livro de Cordeiro era
publicado, não passaria de ser, diz ele, “apenas o prefácio”.[20] Este
ponto é crucial para quem examine a descalabro do nosso sistema libero-capitalista
e a deriva do liberalismo, desde 1832 e 1851 para a forma ditatorial que ele
iria lenta e progressivamente assumir, sobretudo desde o início da década de
90, de modo cada vez mais consciente, vincado e imperativo, prosseguindo nessa
rota liberticida para além de 1910
a sua insidiosa caminhada em direcção à quase completa
extirpação dos ideais de Liberdade no nosso país, culminando na autoritária “República
corporativa” de matriz integralista lusitana, instituída por Salazar. [21]
O recurso à obra de Silva
Cordeiro, que tanto nos tem amparado nesta nossa interpretação critica do
sistema de pensamento martiniano, justifica-se como auxiliar da nossa própria
pesquisa na medida em que, precedendo algumas raras reticências diante dele que
depois seriam feitas por alguns estudiosos da sua obra, como António Sérgio, e
isso por duas razões evidentes. por um lado, porque o autor da Crise em seus Aspectos
morais descortinou com clareza o pendor autoritário e antiliberal ( em sentido
mais amplo desta expressão) de Martins, e o seu cariz cesarista, de que a sua
falhada experiência como reformador das Finanças no governo extra-partidário
mas igualmente votado a estabelecer o tal “partido do rei” – bastará pensar na
sua invenção da lei iníqua estabelecendo a eliminação das liberdades da
imprensa e o desterro colonial para os “anarquistas”, a lei de 21-IV-1892, numa
altura em que o nosso historiador fazia ainda parte do elenco desse ministério
que aprovou essa monstruosidade jurídica -, o que permite que Silva Cordeiro
insista no facto da reacção politica de D. Carlos à monarquia constitucional se
conter implícita nas obras de Oliveira Martins.[22]
Depois, Silva Cordeiro viu com meridiana clareza que o franquismo – mola real
da ditadura então vigente quando publicava o seu livro – provinha do pensamento
e da acção de Martins, cuja ligação directa com a acção do deputado e futuro
dirigente político era não só natural mas lógica, já o franquismo remata na
prática tudo quanto o martinismo concebera como teoria. E, sobretudo agora, que
esta dementada figura autoritária da nossa história, o ridicularizado o Xuão das troças jornalísticas, parece reencontrar quem o defenda e aplauda
com positiva e até louvável, parece-nos importante lembrar que no termo do
século XIX já havia quem tivesse percebido que os cegos alcatruzes da tirania
avançavam no sentido de desviar os portugueses das águas vivas dos ideais de
Liberdade para os sombrios atalhos da longeva ditadura salazarista que nos
frustraria o crescimento de Portugal como país europeu de homens livres, sendo necessária uma longa e criminosa guerra colonial , desde 1961 a 1974, para que a
nossa Baratária colapsasse e, com ela, se desmoronasse o instrumento estatal e
político que a justificara e prolongara, arredando Portugal da construção de
uma Europa unida que desde o Tratado de Roma (22-III-1957), se vinha erguendo,
enquanto o nosso autismo ultramarino nos divorciava dessa comunidade tão urgente
como necessária.
Monte Estoril, 11-XII-2016
João Medina
[1] Sobre este ensaio de A. Sampaio (1841-1908), veja-se “O
historiador Alberto Sampaio crítico da expansão portuguesa”, no nosso Eça de Queiroz e a Geração de 70,
Lisboa, Moraes, 1980, pp.205-219, com um a bibliografia sobre este autor,
pp.217-219.
[2] Sobre esta obra de Teófilo Braga (e a resposta
acerada que lhe deu o crítico brasileiro Sílvio Romero), veja-se o que dizemos
no nosso capítulo “O Sebastianismo - exame crítico dum mito português”, na
nossa História de Portugal, vol.VI
(“Judaísmo, Inquisição e Sebastianismo”), pp.251-356, maxime pp.312-318 e 381 (inclusjve,
no mesmo, a polémica de Sílvio Romero com Teófilo).
[3] Neste poema faccioso e de estilo bombástico, espécie
de “Dies Irae” trovejado contra a monarquia e o monarca que a encarnava, obra
culminante da retórica do ódio republicano contra o pessoal e a cúspide corada
do sistema constitucional, o estridente versejador Guerra Junqueiro faz entrar
D. Carlos e Oliveira Martins, além de outras figuras da corte, porventura João
Franco (Ciganus) e Carlos Lobo de
Ávila (Veneno). Martins é designado
neste drama em verso como o cronista Astrologus,
definido como uma alma dupla, “contraditória, ondeante, incerta, ambígua,
obscura” e, ao mesmo tempo um ambicioso, “um lunático, imbecil, místico
iluminado”, embora a verdadeira face seja a “ambiciosa, a gulosa, a mesquinha,/
A refalsada”(p.51), explicando ao Rei quem é aquele doido que lhes aparece e
delira: é Portugal, cuja história Astrologus narra em tons ao mesmo tempo
heróicos e idílicos (pp.55-63). O Doido exclama: “O reino é podre...O rei é
podre./O, que fedor! Oh, que fedor!”(p.134), exclamação que repete
obsessivamente. Surge o espectro de Nun´Álvares (pp.137ss), espécie de
encarnaçãoa Encoberto, ele e o Doido olham-se, e, por fim, o drama encerra com
o Doido a gritar enquanto vê o castelo real arder (pp.157 ss):. “Foi Deus que
deitou fogo àquilo tudo.../Quem no há-de apagar?”(p.167). Tudo é consumido pelo
fogo, da corte restam apenas os cães e
das cinzas nasce um corpo angélico de mulher, que é a alma mesma do Doido
(p.168), e que se lhe une (p.170). O
poema remata num apocalipse de mau gosto, muito à maneira espalhafatosa de
Junqueiro. Custa a crer que esta obra, incessantemente reeditada desde 1896,
tenha tido tantos leitores entusiastas e que o seu autor passasse por um grande
lírico e um profeta. António Patrício (1878-1930) publicaria em 1909 um “Dies
Irae” apocalíptico bastante mais interessante, descrevendo em tons trágicos a
queda da monarquia: O Fim. História
dramática em dois quadros, Porto, Livraria Chardron de Lello & Irmão,
1909. Em 1906, um poeta panfletário, Edo Metzner, poetastro anarquista, editaria
um poema de veia semelhante, No Agonizar
da Monarquia. Ao último dinasta de Bragança, Lisboa, 1906. Eduardo Henrique
Metzner (Lisboa, 1886 – 1922), casapiano, jornalista e tuberculoso, escreveria
ainda Deportados (1906), contra o
degredo dos marinheiros revoltados da literatura apocalíptica antimonárquica dizemos
no nosso estudo “Oh!...A República!...”,
maxime pp.25 e ss (capítulo “O Ódio
santo: Apóstolos, Messias e Mártires”). Quanto à carreira política de
Junqueiro, inicialmente feita debaixo do lábaro do Partido Progressista, que
ele representou nas cortes por alguns anos, leia-se o seu relato justificativo
da sua evolução no extenso artigo que publicaria, poucos meses antes da
revolução de 1910, no jornal A Pátria
(Porto), de 23-IV-1910, intitulado “A execução duma quadrilha”, extenso
documento reproduzido no seu livro Horas
de Luta (pref. de Mayer Garção), Porto, Livraria Lello,
s.d., pp.135-193, ao qual, noutro local deste presente livro, prestamos
atenção porque nele G.J. refere
explicitamente O. Martins e D. Luís I. Ainda sobre esta obra poético-política
de G.J., veja-se o que escrevemos no nosso livro A Caricatura em Portugal. Rafael Bordalo
Pinheiro, pai do Zé Povinho, Lisboa, Edições Colibri, 2008, pp.152-3.
[4] Veja-se o capítulo sobre A. Oliveira no estudo de
Óscar Lopes, Entre Fialho e Nemésio,
Lisboa, INCM, vol. I, 1987, pp.66 e ss (maxime
p.69: José Falcão). Estes dois volumes de O. Lopes são, sem dúvida, uma das
mais primorosas e atentas histórias da cultura portuguesa nos sécs. XIX/XX.
Deve-se a Augusto da Costa Dias um estudo, A
Crise da Consciência pequeno-burguesa – I. O Nacionalismo literário da Geração
de 90, Lisboa, Portugália, 1969 (2ª ed.: 1978), infelizmente eivada duma
visão sectária marxista de cepa estalinista.
[5] Embora quase sempre perdendo o seu tempo em
anticlericalismo de “faca e navalha”, a propaganda republicana, como no caso
dos livrinhos em geral de divulgação panfletária da Propaganda. tem, a seu
lado, a acção de sólida formação político-ideológica e inegável talento
literário dum grande jornalista como João Chagas (1863-1925), cujos dois livros
resultantes do degredo em Angola, Diário
de um Condenado político (1892-3) e Trabalhos forçados (1900), constituiriam
uma das arcas onde os adeptos da República iam alimentar-se de pão ideal, sem
esquecer uma imprensa partidária de enorme vitalidade e coragem, na qual
avultavam aguerridos títulos como A
República portuguesa, A Marselhesa,
O Século, A Vanguarda, A Voz Púbica,
etc., além das revistas satíricas de grande impacto, como as de Rafael Bordalo
Pinheiro e do seu filho Manuel Gustavo, Pontos
no ii e A Paródia ou os órgãos
satíricos mais novos como, v.g., A Garra de Celso Hermínio.
[6] João Chagas, Diário
de um Condenado político. 1892-93,
2ª ed., 1913. p.79. A primeira
edição desta obra saíra em 1894. Ela é, no campo republicano fin de siècle, uma das mais importantes
reflexões político-ideológicas sobre o ideário do nosso republicanismo, assim
como a reivindicação da herança liberal
por parte dos nossos republicanos. Não
deixa de ser lamentável que a nossa historiografia nunca tenha dado a João
Chagas – o brilhante panfletário, o fino crítico literário, o excelente
jornalista, o aguerrido militante deportado para Angola após o fracasso das
revolução republicana de 1891, no Porto, e por fim, o nosso embaixador em Paris
após a curtíssima permanência no primeiro ministério do regime implantado em
1910, de 3-IX-1911 a
12-XI-1911, voltando a ser designado como presidente do ministério após a
revolução de 1915 que derrubou a ditadura de Pimenta de Castro, num governo que
não chegou a tomar posse, já que Chagas seria alvejado no comboio que o trazia
do Porto para a capital, com vista a tomar conta do seu gabinete ministerial,
acabando por ser substituído pelo ministério presidido interinamente por José
de Castro, em funções desde 19-VI-1915, também efémero, pois terminaria a
22-VII-1915. Restabelecido dos seus ferimentos, Chagas voltaria ao seu posto
diplomático em Paris, do qual se demitiria em Dezembro de 1917 devido ao
triunfo do putsch de Sidónio Pais.
[7] Veja-se o folheto, de nossa iniciativa, dedicado a
João Chagas e à sua carreira política, editada por ocasião do descerramento
duma placa de bronze na rua com os eu nome em S. Pedro do Estoril,
dedicada a este escritor, jornalista e diplomata que faleceu no Estoril em
28-V-1925: João Chagas – de Conspirador a
Diplomata, C. M. Cascais, 2006, ilustr. (incluindo-se nele o folheto de
Vasco Pereira, A Vida de João Chagas, de
Degredado de 1ª classe a Primeiro Ministro). Veja-se ainda a bem
documentada tese de mestrado de autoria de Álvaro Belmar Esteves, João Chagas jornalista e republicano,
Faculdade de Letras da Univ. do Porto, 1999, ilustr., infelizmente não editada
em livro.
[8] Veja-se o estudo de António Ventura Anarquistas, Republicanos e Socialistas em Portugal. As
convergências possíveis (1892-1910), Lisboa, Edições Cosmos, 200O, maxime pp.15 e ss (o Partido republicano
após 1891), pp.79 e ss (o anarquismo intervencionista), pp.138 e ss (a
Federação Socialista Livre). Esta obra inclui ainda uma boa bibliografia sobre
a matéria em causa.
[9] B. Teles, Do
Ultimatum ao 31 de Janeiro, p.42. Teles menciona Oliveira Martins entre os
criadores deste socialismo luso que morreu de míngua num país agrário, sem
operários. Sobre o tópico em causa, veja-se o nosso livro A Geração de 70: uma Geração revolucionária e europeísta,
Cascais, Instituto de Cultura e Estudos
Sociais, 1999, ilustr., maxime
pp.23-29 e 49-66
[10] Dos diversos estudos nossos sobre o nosso estereótipo
nacional, vejam-se: Portuguesismo(s). Acerca da Identidade nacional. Ensaio sobre as
imagens de marca identitárias, os emblemas, os mitos e outros símbolos
nacionais seguido de o Zé Povinho, Estereótipo nacional e autocaricatura do Português
desde 1875, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2006,
ilustr.., maxime pp.205-15 e 507-24;
e ainda Caricatura em Portugal. Rafael Bordalo
Pinheiro, Pai do Zé Povinho (2008), maxime
pp.81-133.
[11] Joaquim António da Silva Cordeiro (1859-1915), A Crise em seus aspectos morais. Introdução
a uma biblioteca de psicologia indiovidual e colectiva, Coimbra, F.Amado
Editor, 1896. Sobre este autor veja-se o estudo que lhe dedica Sérgio Campos
Matos, “Joaquim António da Silva Cordeiro”, no vol. IX (A. Monarquia constitucional),
da nossa História de Portugal,
Alfragide, 1993, p.181-88.
[12] Sobre Alexandre Herculano, veja-se. Silva Cordeiro, op. cit., p.16-52, um interessante, embora às vezes caótico
resumo dos ideais e polémicas (p.e., a
questão do milagre de Ourique) em que o autor de Eurico o Presbítero se envolveu, este primeiro “iconoclasta” a que
sucederiam outros dois, que mais adiante S. Cordeiro estuda nesta obra, i.e.,
Martins e Teófilo Braga (este nas p.369 e ss).
[16] Alexandre Herculano, A Voz do Profeta (1837), in Opúsculos.
t. I, Questões públicas, Lisboa, Casa
Bertrand, 1873, pp.28-29..
[21] Sobre a natureza peculiar do autoritarismo
salazarista, nomeadamente a sua medula diferente dos sistemas fascistas coevos
em vigor na Europa, veja-se o nosso livro Salazar,
Hitler e Franco. Estudo sobre Salazar e a Ditadura, Lisboa, Livros
Horizonte, 2000, maxime pp.90-184
(ideologia e mentalidade do salazarismo, autoritarismo versus fascismo, o autoritarismo organicista, católico e
conservador do Estado Novo e, por fim, a síntese da doutrina e prática de
Salazar).
[22] Ibidem,
p.242 (“Pois todo o pensamento político do actual reinado, que se esboça contra
o laissez aller do reinado
precedente, não só se contém implícito nas obras de Oliveira Martins, mas
proveio, nos autores que o inspiraram, dum série de causas em tudo congéneres
das que em Portugal explicam semelhante retrocesso.”). Temos um estudo inédito
sobre os pendores autoritaristas e cesaristas do martinismo, intitulado Oliveira Martins na Cova dos Leões.
Apenas uma precisão relativamente à nota 3: o poeta de cariz panfletário Eduardo Metzner nasceu em 1886 e não em 1889. Por sua vez, é, de seu nome, Eduardo Henrique Metzner e não, como erradamente se diz na referida nota, Eduardo de Lima Metzner, um oficial da Marinha que era um seu parente. Quanto a "poetrasto" é uma opinião.
ResponderEliminarSobre o poeta veja-se: Gabriel Rui Silva, Eduardo Metzner, Vida e Obra de um Sem-abrigo, Licorne, Évora, 2014
Muito obrigado, o Prof. João Medina agradece a sua observação, tendo já sido feita a correcção indicada.
ResponderEliminarCom os melhores cumprimentos, votos de Bom Ano,
António Araújo