Não tenho absoluta certeza, mas dizem
ser esta a mais antiga representação artística da Natividade que se conhece. É
um sarcófago do século IV, que se encontra em Roma. Afirma-o Tara Moore num
livro encantador saído há pouco: Christmas.The Sacred to Santa. Neste ponto, como noutros, Tara Moore baseia-se numa
«obra de referência», um clássico monumental da autoria de Gertrud Schiller,
traduzido nos Estados Unidos em 1971, com o título Iconography of Christian Art.
O certo é que, antes desta escultura no
sarcófago, existem vestígios de cenas da Natividade nas catacumbas de Roma, mas
adiante. Sendo ou não a mais antiga representação pictórica da Natividade, a escultura
dos magos com oferendas é interessante a vários títulos.
Desde
logo, é contemporânea dos primeiros registos da celebração do Natal, que datam
de 354.
Depois,
e mesmo admitindo que a narrativa do Natal é uma criação literária e ficcional,
um midrash hagádico, ela deve obedecer a uma sequência cronológica que faça
sentido, pelo que a representação de Jesus como um infante, e não como um
recém-nascido, é a que melhor cumpre essa função. A ideia de que, na noite de
Natal, os pastores e os reis magos se reuniram em simultâneo, junto à
manjedoura de Belém, será certamente bela e enternecedora, mas coloca inúmeros
problemas, como bem salienta o Pde. A. Cunha de Oliveira no melhor e mais
completo livro que existe em Portugal sobre o tema, Natal. Verdade, Lenda, Mito, publicado em 2012 pelo Instituto
Açoriano de Cultura. Tendo sido editado em Angra do Heroísmo, é um livro que
terá alguma dificuldade em aparecer nas livrarias do «circuito comercial». Mas,
insiste-se, é a obra que, entre nós, mais detida e informadamente se ocupa do
Natal, num volume maciço, de quase 600 páginas, que em Lisboa ou no Porto não
se encontra – Portugal é, sem dúvida, um país sensacional…
Finalmente,
a representação dos magos no sarcófago do século V é interessantíssima porque,
se repararem, lá está a estrela (e, já agora, não aparece nenhum mago negro;
o mago negro só surge
pela primeira vez nas representações alemãs da Natividade feitas na Idade
Média, por volta de 1440, após os escravos de África começarem a afluir à
Europa). Aliás, a própria história do túmulo dos reis magos – ou das suas
relíquias mortais – é digna de um thriller.
Não por acaso, Umberto Eco utilizou-a no romance Baudolino. Tendo andado de Constantinopla para Milão e de Milão
para Colónia, aí encontraram as ossadas repouso definitivo, num riquíssimo e
opulento relicário guardado na catedral, ornado a oiro e prata dos séculos
XII-XIII. Um contraste absoluto com o despojamento e a singeleza do sarcófago
paleocristão do século IV, onde os Magos aparecem pela primeira vez…
Fechado este parêntesis, voltemos à
estrela. Sobre ela já correram rios de tinta. Diz-se que houve uma conjugação
dos astros, uma concatenação Cunha de Oliveira, no livro que atrás citei. E
para não se dizer que apenas se mencionam padres católicos, lembre-se o que diz
um ex-sacerdote, regressado à fé judaica dos seus antepassados, Geza Vermes
(1924-2013). Entre muitas outras obras, é autor de uma obra extraordinária, até
pela simplicidade com que está escrita, no cume de uma erudição esmagadora: Jesus. Nativity – Passion – Resurrection,
é um livrinho pequeno, claro, acessível, uma preciosidade. A dado passo, Vermes
salienta que, no tempo romano, as estrelas poderiam ter um duplo significado,
anunciando seja a morte, seja o nascimento de alguém muito importante. E diz
também que apenas na Idade Média a literatura judaica – mais precisamente, o Sefer-ha-Yashar – aborda o tema da
estrela, ao invés do que sucede no Evangelho de Mateus e nas obras clássicas de
Plínio, Suetónio, Tácito. Por volta do ano 69 d.C. – a altura em que Mateus
compôs o seu Evangelho – autores romanos registam o aparecimento de uma
estrela, ademais vinda do Oriente.
Já há quem disse tratar-se do cometa Halley, mas este apareceu em 12 a.C., ou seja, numa altura em que Jesus ainda não tinha nascido (o nascimento de Cristo ter-se-á verificado por volta do ano 6 a.C.). Pode trata-se também da supernova que Johannes Kepler observou em 1640. Aliás, a última supernova conhecida na Via Láctea (a anterior tinha sido observada pelo mestre de Kepler, Tycho Brahe, em 1572). Atrás vimos a primeira representação pictórica do Natal: os reis magos – e a estrela – a adorarem o Menino, num sarcófago do século IV. Agora, a última supernova avistada na Via Láctea. Utilizando raios infravermelhos e luz óptica, a NASA captou os restos da supernova de Kepler. Ei-la, espantosa:
Já há quem disse tratar-se do cometa Halley, mas este apareceu em 12 a.C., ou seja, numa altura em que Jesus ainda não tinha nascido (o nascimento de Cristo ter-se-á verificado por volta do ano 6 a.C.). Pode trata-se também da supernova que Johannes Kepler observou em 1640. Aliás, a última supernova conhecida na Via Láctea (a anterior tinha sido observada pelo mestre de Kepler, Tycho Brahe, em 1572). Atrás vimos a primeira representação pictórica do Natal: os reis magos – e a estrela – a adorarem o Menino, num sarcófago do século IV. Agora, a última supernova avistada na Via Láctea. Utilizando raios infravermelhos e luz óptica, a NASA captou os restos da supernova de Kepler. Ei-la, espantosa:
Não sei se é esta a estrela que os reis
magos viram – e penso que ninguém sabe ao certo. Será desse e doutros mistérios
que se faz o Natal, motivo de um dos mais belos trechos de Bouvard e Pécuchet, o romance inacabado de Gustave Flaubert. Depois
de mil e uma peripécias técnico-científicas, parecidas com as que despertam a
adoração dos historiadores de arte, dos biblistas ou dos astrónomos, os amigos Bouvard
e Pécuchet assistem à missa de Natal numa aldeia da França profunda. É
talvez o único momento de pura felicidade de que gozam, no meio de tantos
desastres a que a magistral pena de Flaubert os sujeita. No final da missa da meia-noite, vendo a hóstia erguida, ouvindo os
cânticos, sentiram uma espécie de aurora
erguer-se nas suas almas.
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