Hans Christian Andersen (1805-1875)
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A
vinda de Hans Christian Andersen (1805-1875) a Portugal, em 1866, é sobejamente conhecida (ver esta notícia, por exemplo).
O «diário» dessa visita já foi, inclusivamente, publicado em Portugal, pelo
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, com tradução e notas de Silva Duarte (sendo mais tarde reeditado numa excepcional colecção de livros do jornal O Independente).
Mas, como creio, esse livro está esgotado, justifica-se a transcrição desta breve
passagem:
Que
transição, ao entrar em Portugal, vindo de Espanha! Era como sair da Idade
Média para entrar no presente. Via à minha volta casas acolhedoras caiadas de
branco, matas cercadas por sebes, campos cultivados e nas grandes estações
podia-se sempre tomar qualquer refresco. Aqui haviam chegado também, como uma
brisa, as comodidades dos tempos modernos da Inglaterra, ou do restante mundo
civilizado. De uma beleza pitoresca, com lindas casas brancas no meio da
verdura, luzia ao alto, na nossa frente, a primeira cidade portuguesa, Elvas.
Fez-se noite escura e chuvosa. Perto da
meia-noite passámos por Abrantes e pouco depois chegávamos à vila do
Entroncamento, onde o comboio vindo da fronteira tem ligação com a linha
principal entre Lisboa e Coimbra. Na estação encontrámos um hotel
verdadeiramente luxuoso e moderno. Pelo menos, assim me pareceu, pois na viagem
desde Madrid havia perdido o hábito de todas as comodidades. O Rei de Portugal,
no regresso da sua viagem a Espanha, aí havia pernoitado. Tinha uma grande e
bonita sala de jantar e servia boa comida e bebidas frescas. Até chá e vinho do
Porto se podia tomar. Estávamos, pois, no meio da civilização.
Depois de uma excelente ceia, o meu
companheiro e eu arranjámos lugares para dormir, o melhor que pudemos. Toda a
carruagem estava à nossa disposição e durante a viagem não fomos incomodados
pela entrada de mais nenhum outro passageiro. Lá fora caía a chuva mas em breve
deixámos de a ouvir, mergulhando em profundo sono. De madrugada estávamos nas
proximidades de Lisboa. O rio Tejo alargava-se, formando como que um grande
lago. Seguíamos ao longo das suas margens, o céu aclarou e o sol ia romper.
Cerca das quatro horas chegámos a
Lisboa, onde o meu prestimoso companheiro de viagem me arranjou uma carruagem e
pediu ao cocheiro que me conduzisse ao Hotel Durand, na praça perto da Rua das
Flores, precisamente em frente dos escritórios da casa Torlades O’Neill, àquela
hora cedo de mais para bater à porta.
As ruas estavam ainda completamente
desertas. No hotel toda a gente dormia, e quando, depois de muito martelar a
aldrava, consegui falar com um criado, este informou-me que todos os quartos
estavam ocupados, mas que na sala de estar poderia, entretanto, repousar numa
cadeira. Não me agradou tal coisa, como também não me agradou ter sabido que
ninguém havia na casa e nos escritórios de O’Neill na cidade. Estava a residir
a meia milha de Lisboa, na «Quinta do Pinheiro». Era domingo e não viria com
certeza à cidade, informaram-me ainda.
Tive, pois, mesmo fatigado como estava,
de procurar o mais depressa uma carruagem que lá me levasse. Arranjada esta,
seguimos por praças e ruelas com casas de aspecto pobre, para fora de portas,
entre muros em ruínas, pela estrada de Sintra. O grande aqueduto sobre o vale
de Alcântara e os muitos pomares frondosos prestavam beleza aos arredores,
Camponeses e camponesas montados em burros, carros chiando sob o peso das
cargas, mendigos pedindo em altos gritos à borda da estrada, davam-lhe
animação.
Por fim, virámos de uma estrada entre
muros estreitos para um caminho íngreme e difícil, conduzindo a uma casa de
campo de aspecto antigo e isolada, numa das elevações mais altas. Era
«Pinheiro», «Pinitraeet», como se poderá traduzir em dinamarquês.
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