terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Recordação de Havana.

 
 

 
 
 
Estive cinco dias em Cuba, em 2000, para participar num colóquio sobre Eça de Queiroz, que se realizou num dos velhos e solenes palácios militares no centro da capital, embora com a única presença de uma vintena de estudiosos de Eça, vindos todos de Portugal, de modo que, à falta de público cubano, falámos uns para os outros, o que parecia uma cena dum filme dos Irmãos Marx, pois não tínhamos quem nos perguntasse fosse o que fosse, apesar de dois tradutores irem vertendo meticulosamente tudo para castelhano – e não havia na sala um único participante cubano interessado na obra do Eça. Para maior confusão e absurdo, um dos tradutores interrompeu-me, a dada altura, para me suplicar que falasse mais devagar, já que a minha charla era debitada a uma velocidade tal que ele não conseguia seguir-me. Respondi-lhe que, dado o facto de não haver ouvintes cubanos no público – exceptuados os dois inúteis tradutores –, era preferível que ele não me traduzisse,  pois seria o cúmulo da inutilidade. Quanto aos intelectuais cubanos encarregados de nos mostrarem Havana, sobretudo literatos e historiadores do Partido Comunista Cubano, dei-me conta do que estavam todos totalmente ao serviço da ditadura castrista, falando a langue de bois do sistema, pelo que o nosso diálogo não tinha sentido nem proveito algum. Quanto à cidade, achei-a miserável e muito degradada, repleta de velhos automóveis dos anos 40 e 50. E quando saíamos do luxuoso hotel –  no qual se vendiam todos os jornais europeus, reservados apenas a clientes estrangeiros, sendo a sua venda proibida aos nativos –, vinha gente com um ar pobre pedir-nos que lhe déssemos os sabonetes do hotel ou uma esmola pecuniária. Esta miséria tão patente deixou-me amargurado: a “revolução” cubana reduzia o pobre povo da ilha a meros pedintes... De tudo quanto vi em Havana, as únicas coisas que apreciei deveras foi visitar o quarto de hotel onde o Hemingway tinha um  sempre reservado para ele, passando nele horas a escrever numa máquina que continuava lá, e a finca dele nos arredores da capital, com um pequeno cemitério para os gatos que escritor ia perdendo durante a vida na ilha, bem como um barco que teria pertencido ao homem que serviu de modelo para o pescador no famoso O Velho e  o Mar.
 
João Medina

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