sexta-feira, 14 de junho de 2013

Buzludzha.

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         Fiquei intrigado com estas imagens logo a primeira vez que as vi. A semelhança com a nave espacial dos Encontros Imediatos de Spielberg poderá parecer demasiado óbvia, mas foi ela que de imediato me acorreu ao espírito. Depois, lembrei-me da sala de congressos do Partido Comunista da China, por causa de outra semelhança – também ela, demasiado óbvia – entre a estrela vermelha na cúpula e esta foice e o martelo debruados com as palavras «Proletários de Todos os Países do Mundo, Uni-vos!». Quer aqui, quer na China, os símbolos dominam, a partir do tecto, um vasto espaço colectivo, edificado para grandiosos manifestações de aparato. Quando investiguei o que se tratava, lembrei-me dos Spomenik jugoslavos, de que já falei aqui no Malomil. Neste caso, porém, a marca do brutalismo arquitectónico é mais visível e acentuada.
         Estamos perante a Casa do Partido Comunista da Bulgária, um ovni colocado perto do Monte Buzludzha. Situa-se a 1441 metros acima do nível do mar, num dos mais inóspitos lugares das montanhas dos Balcãs. Basta dizer que «Buzludzha» (ou «Buzluca») significa literalmente «gelado» ou «glaciar». Porquê ali? Porque foi ali, ou nas imediações, que se travou uma das mais sangrentas batalhas entre russos e turcos, quando 2.500 russos e 5.000 voluntários búlgaros derrotaram um exército de 38.000 otomanos. Desde então, a Bulgária, um território que estivera sob dominação otomana durante cerca de cinco séculos, encontrou uma nova fidelidade, com contornos de subserviência. Instaurado o comunismo da grande Rússia,  a história das relações entre búlgaros e soviéticos é conhecida. E agora, num tempo em que tanto se fala de soberania, será interessante recordar que, na Bulgária, as aulas começavam pela manhã com os alunos a entoarem o hino… russo. Convém também recordar um dado importante: fora ali, no Monte Buzludzha que, após a Bulgária ter declarado a independência em 1891, que os socialistas revolucionários começaram a reunir-se em encontros secretos. A escolha deste lugar prende-se, portanto, com a vitória sobre os otomanos e com os alvores do comunismo búlgaro. Por isso lá está, em lugar de destaque, a figura de Dimitar Blagoev (1856-1924), a quem se atribui a paternidade intelectual do comunismo na Bulgária, o mesmo acontecendo a Georgi Dimitrov (1882-1949), que dirigiu o país entre 1946 e 1949.
Ao fim de vários anos de abandono, o monumento colossal começa a dar sinais de ruína. Há quem pense restaurá-lo, para atrair turistas ocidentais que gostem de viagens-aventura pelas memórias do comunismo. No entanto, os custos estimados dos trabalhos de reparação são de tal forma elevados que, muito provavelmente, um dia a Casa do Partido Comunista virá abaixo. Os ladrões começaram por levar bocados do telhado, com isso expondo o edifício às intempéries e ao tempo agreste que caracteriza aquela região do centro da Bulgária. Os custos de demolição também são incomportáveis. Ou seja: a Bulgária pós-comunista não tem meios, materiais e imateriais, de lidar com o seu passado recente. Não consegue restaurar como não consegue demolir a Casa do Partido. A ausência é, sobretudo, de vontade – de vontade política. E é isso que torna esta ruína tão intensamente simbólica e expressiva. Se quisessem mesmo recuperar o edifício, restaurando os ornatos do materialismo-dialéctico, certamente haveria dinheiro para o fazer. De igual modo, se a intenção fosse a destruição completa do singular monólito, também não faltaria engenho nem engenhos para o fazer – basta pensar nos Budas arrasados pelos talibãs. Dinheiro não faltaria, caso a opção fosse clara. Como, aliás, não faltou verba para edificar este monstro de betão, inaugurado em 1981, graças a donativos «espontâneos» de altos funcionários do Partido e a muito trabalho «voluntário» (é melhor manter as aspas em «espontâneos» e em «voluntário»). A torre tem 107 metros e, na fachada, encontram-se inscritas palavras da Internacional. Num site dedicado a este monumento, um daqueles inquéritos online, perfeitamente idiotas, sobre quem deveria participar no restauro: o Governo? O Partido Socialista da Bulgária? O povo búlgaro? Organizações não-governamentais? Ninguém avança.
         Enquanto isso não ocorre, alguém escreveu na entrada: FORGET YOUR PAST. Isto em 1991. Em 2012, alguém escreveu no interior: DON’T FORGET YOUR PAST. É esta ambivalência entre esquecimento e recordação que, no fundo, explica o actual estado do monumento. Semidestruído, mas ainda vivo.
 
 
António Araújo

 
 
 
 
 
 








 
 
 
 






 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 

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