segunda-feira, 3 de junho de 2013

Spelling bee.

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Há três coisas curiosas a dizer sobre o popularíssimo Spelling Bee, em que os concorrentes são convocados a soletrar palavras, algumas terríveis de dizer em qualquer língua, viva ou morta:
         1ª – O concurso existe desde 1925. Na época, os nove finalistas foram convidados a ir à Casa Branca, onde conheceram pessoalmente o Presidente Calvin Coolidge. Essa tradição mantém-se nos nossos dias.
2ª – Vários países adoptaram este modelo de concurso: Índia, Abu Dabi, Ajman, Bahrein, Koweit, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Dubai, Taiwan, Nigéria, Austrália, Bangladesh, Canadá, Reino Unido. Entre esses países, não se encontra Portugal.
3ª – Nos Estados Unidos, as seis ou sete últimas edições do Spelling Bee foram sempre ganhas por crianças de ascendência indiana. Atenção: todos podem concorrer, desde descendentes dos WASP a filhos de imigrantes. Não é um concurso apenas para minorias étnicas. Mas os resultados parecem dar razão ao que escreve Anthony Giddens na edição de 2009 do seu manual Sociology: «People from Indian and Chinese backgrounds are, on average, significantly more likely to have a degree qualification or higher than those from other ethnic backgrounds».
Vejam a lista dos finalistas deste ano. Havia duas ou três raparigas brancas. No decurso do jogo, foram ficando pelo caminho. De todo o modo, a selecção final é muito elucidativa. Vejam os nomes e os rostos dos finalistas. Haverá melhor lição contra o preconceito?
 
António Araújo  

 
 
 
Arvind Mahankali

Pranav Sivakumar

Grace Remmer

Christal Schermeister

Nikitha Chandran

Vanya Shivashankar

Amber Born 

Sriram Hathwar

Chetan Reddy

Syamantak Payra

Vismaya Kharkar

8 comentários:

  1. Nem de propósito.
    Já o Brasil resolveu estas chatices impondo cotas raciais no acesso à universidade (parece que descobriram no país da mestiçagem um «problema racial»).

    luísjes

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  2. e claro, a explicação sociológica do A.Gidd. explica tudo

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  3. Por outro lado, o preconceito "positivo" também pode justificar o negativo. Quero dizer, se consideramos que determinada cultura (já nem digo genes) tem qualidades intelectuais acima da média ou do padrão dos brancos wasp, por outro, também temos de admitir que outras são inferiores em média (e já é politicamente incorrecto dizê-lo se forem inferiores ao padrão branco). Penso que a questão é cultural e social, há claramente culturas que valorizam o trabalho ou o estudo mais do que outras. Dito isto, para ter cuidado na análise seria importante ter em conta o número de participantes no início do concurso. Por exemplo, será que os miúdos indianos nas comunidades emigrantes nos EUA levam os concursos de spelling mais a sério do que os miúdos de outras etnias (incluindo os wasp), mesmo em alunos de topo? Isto é, será que na cultura branca ou negra um geek de topo não considerará demasiado "uncool" um spelling contest (ou demasiado básico) e não preferirá outras actividades? Já quanto à questão dos chineses e indianos, é preciso ter em conta quem emigra e como e dentro de quem emigra, quem vai estudar. Acho que aqui não se estão a comparar etnias tout court, mas sim comunidades de emigrantes no contexto americano. Por vezes criamos preconceitos negativos e positivos com base numa amostra muito enviesada. Lembro-me de sentir isso nos anos 90 na Bélgica e França em que quase tinha "vergonha" dos portugueses, porque se fossem avaliar portugal pela amostra da grande generalidade dos portugueses emigrantes, meu Deus... Por outro lado, aqui em Portugal tivemos aquela ideia romantizada dos ucranianos. O certo é que não havia professor que não dissesse que o ucraniano da turma era o melhor aluno. E não duvido disso por um segundo, mas daí extrapolávamos logo para "os ucranianos devem ser todos génios" ou então "o sistema deles de ensino deve ser muito melhor que o nosso" :] bem, o comentário vai longo!

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    1. Foi longo mas poupou o meu. Disse tudo o que eu queria dizer... e muito melhor.

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    2. Não posso deixar de agradecer a qualidade, profundidade e serenidade do comentário de «Tolan», que nos obriga a reflectir. Não verifiquei quem eram os inscritos no Spelling Bee, mas, se acaso existir entre eles uma «sobrerepresentação» de crianças de ascendência indiana (em comparação com o total de inscritos ou com o total da população em idade escolar), esse facto é, em si mesmo, ilustrativo de uma dada «cultura». Pode existir um «enviesamento», mas ele é, em si mesmo, expressivo e revelador de uma atitude cultural, sobretudo se tivermos em conta que este concurso existe há quase 100 anos, ou seja, desde uma altura em que todos os candidatos deveriam ser brancos. Ou seja, a «cultura» (o meio familiar?) que os leva a inscrever-se no Spelling bee e a ter tanto êxito permite-lhes ultrapassar a sua condição minoritária no seio da sociedade americana. Creio que isso é inquestionável. Obviamente, daqui não pode decorrer, de modo algum, a ideia de uma «superioridade» dessa cultura (ou mesmo, se quiser, dessa «etnia») face às demais. Nem é esse o sentido da citação de Anthony Giddens, que se baseia numa pura constatação de facto: em comaparação com o total da população escolar, os níveis médios de sucesso de crianças com ascendência indiana ou chinesa são superiores. O facto de os indianos quererem vencer - e vencerem - um concurso que existe desde 1925, e que tive o cuidado de sublinhar que se destina a todas as crianças, é muito significativo. Porque demonstra que, contra os preconceitos «negativos» que possam existir contra elas, as crianças de ascendência indiana conseguem afirmar-se e ter sucesso num concurso nacional que não é, decidiamente, um jogo de bairro. Insisto: daqui não se pode extrair um novo preconceito, positivo para os indianos e negativo para os demais. Por caminhos diferentes, creio que convergimos na mesma conclusão - e é iso que importa!
      Muito obrigado pelo seu comentário.
      Cordialmente,
      António Araújo

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  4. A discrepância da matriz cultural é certamente o que explica estes resultados. Culturalmente as etnias asiáticas têm uma tradição de esforço escolar muito superior aos brancos e, mais ainda, aos negros. Claro que há razões sócio-económicas e financeiras a ter em conta, mas uma comparação entre famílias de estratos económicos equivalentes demonstrarão uma maior cultura académica entre os indianos e chineses (recém-emigrados ou de gerações subsequentes).

    68% dos membros da comunidade indiana-americana (>25 anos) têm um grau Bachelors ou superior, comparado com 28% de todos os americanos com essas idades. E em termos de graus avançados (mestrado, doutoramento, medicina ou direito), esse número é de 37%, comparado com 10% para todos os americanos. No entanto, para os vietnamitas-americanos os números são 24% e 7%, respectivamente, mostrando a diversidade entre os asiáticos.
    (Le, C.N. 2013. "14 Important Statistics About Asian Americans" Asian-Nation: The Landscape of Asian America. (June 5, 2013))

    Como exemplo, veja-se quem compõe a "leadership" do google:
    http://www.google.com/about/company/facts/management/


    Já agora, tendo alguma experiência na academia americana, nomeadamento graus avançados numa escola de ciência e engenharia, aqui fica uma curiosidade. Ao contrário do que esperava, as raparigas americanas são frequentemente desencorajadas a seguirem carreira em disciplinas como a física ou a matemática. Isso não acontece na comunidade asiática. Além disso, perante os números que vimos acima, ou o exemplo do Spelling Bee, o que acontece é que em ciência e tecnologia, o número de mulheres asiáticas supera grandemente o número de mulheres brancas. Isto faz com que haja uma percentagem relativamente grande de casais mistos, especificamente homem-branco, mulher-asiática (mais chinesas e coreanas que indianas, já que, no caso indiano, especialmente entre os recém-emigrantes, ainda há muita tradição de casamento dentro da comunidade).

    Atenção, não estou a criticar, estou apenas a relatar, mas será interessante ver como as coisas se desenvolvem, já que a formação académica está cada vez mais ligada às perspectivas futuras das famílias. Como aponta Charles Murray (que não aprecio muito, mas reconheço este argumento), antigamente, quando as mulheres não tinham carreiras académicas muito desenvolvidas, os homens (chefes) casavam-se com as suas subordinadas (secretárias). Longe de ideal, mas acabava por promover uma miscigenação académica e social. Hoje em dia, há cada vez mais uma compartimentalização baseada na formação académica (Harvard casa com Harvard, etc.), diminuindo essa mistura, tendo mesmo efeito a nível urbano (com a criação de super-guetos de elites, inicialmente académicas, mas que acabam por ser culturais e financeiros, sendo que as etnias não estão igualmente representadas).

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    1. Excelente e informado comentário, como sempre. Informado e enriquecedor. Muito obrigado pelo seu contributo para este debate.
      Cordialmente,
      António Araújo

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  5. «Por outro lado, o preconceito "positivo" também pode justificar o negativo. ...Se consideramos que determinada cultura ... tem qualidades ... acima da média, por outro, também temos de admitir que outras são inferiores...»


    Sim, mas...
    Um conjunto de excelentes condutores é-o devido ao seu jeito do caraças ao volante; o conjunto dos maus condutores é-o por ser constituído por azelhas ao volante e não por existirem bons condutores.

    Não estaria errado imaginar, vá lá, que todos os portugueses têm um QI acima da média. O uso do termo média às vezes confunde

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