21-VIII
Aix revisitada
Na companhia da Susana e do marido
José, que vieram passar uns curtos dias connosco, voltamos uma vez mais a Aix
para uma jornada inteira na minha cidade predilecta, com passeio de comboio
eléctrico pela cidade, flainando com necessária lentidão o Cours Mirabeau, a
praceta do Tribunal e as ruas e lojas que se estendem em volta do centro
histórico. Pedi ao José que me fotografasse sentado no rebordo do tanque dos
Quatro Golfinhos, explicando-lhe que este obelisco desempenha na minha mitologia
íntima o mesmo que a estação de Perpignan ocupava na de Salvador Dalí, ou seja,
são ambos o umbigo do mundo, de modo que aqueles quarteto de golfinhos
constituem, na pedra branca em que foram delicadamente cinzelados, uma espécie
de bússola benevolente no meu caminho de infalível retorno a Ítaca. Engenheiro
químico, portanto pouco sensível a estas extravagâncias literárias, o Zé não
entende muito bem o que quero dizer com esta explicação, mas faz duas ou três
fotos minhas no centro da praceta, prestando a devida homenagem de gratidão
aqueles cetáceos que considero ligados a uma errância que só terminou em 1974.
Mas dispenso-me de lhe dizer que aqueles quatro golfinhos de minha tão pessoal
estimação derramam os seus jorros aquáticos num Mar essencial regido pelos
quatro pontos cardeais, sendo eles os meus guias e garantia de que a nau
invisível que me transporta pelos mares do Exílio me havia de conduzir ao meu
porto.
A passeata até Aix permitiu-me
voltar a Lourmarin, visitada também com a devido encanto pelos nossos dois
convidados, assim como a aldeia de Cucuron, que sempre considerei a mais típica
vinheta de Alphonse Daudet desta Provença que ele celebrou com encantadora
sensibilidade e imaginação nas historietas das Cartas do meu Moinho. Todavia, não estou certo de que este livro
mencione especialmente Cucuron, até porque, em obras como esta colecção de
estórias provençais, o leitor recorrente acaba por misturar com os ambientes
descritos pelo autor um ou outro cenário que ele mesmo decidiu adicionar
arbitrariamente à memória que guardou da leitura do livro. Quando releio o
conto das “Três missas baixas” que o reverendo Balaguère celebrou a correr
porque tinha à sua espera, em casa, depois de celebrado o seu ofício religioso,
uma ceia magnífica de carnes e vinhos papais, imagino sempre que a aldeia onde
fica o castelo de Triquelage, em cuja capela o abade, vítima da sua gula,
despachara o seu ofício para mais depressa ir saborear a ceia de Natal que o
espera, lugarejo aliás não nomeado por Daudet, seria mesmo este. De modo que
não se pode dizer que a aldeia em que se passa esta história de danação dum
padre que perdeu o paraíso por ter atropelado o seu ofício das missas
natalícias, fosse precisamente esta Cucuron das telhas cor de rosa, empoleirada
num rochedo do Luberon, a terra das oliveiras e da boa cozinha, onde um bom
cura pode perder o paraíso, espicaçado pelo Demo, por ter tido gula na noite de
Natal.
Como são turistas conscienciosos,
Susana e o marido levam-nos ainda, no carro deles, a visitar outros locais
míticos do Luberon, como a cubista Gordes ou Rossillon, a aldeia das areias
vermelhas. E com esta visita, creio ter cumprido o meu dever de turista anual
da Provença, visitada e revisitada tantas vezes, o que me dispensa de aqui
voltar nos próximos anos que se adivinham difíceis e pouco propícios a viagens
dos pobres Lusíadas coitados!...
João Medina
Socorro! Há uma máquina automática de fazer textos á solta na internet. E chama-se João Medina... É o Xico Zé do romance, o Leal de Zezere da reportagem, o Henrique Raposo da crónica, a Maria Filomena Mónica da sociologia espontânea, O Abel Barros Batista dos estudos literários, A Clara Ferreira Alves da crítica, o Vasco Correia Guedes da futurologia, a Marina Costa Lobo da politologia, a Maya do futuro da Pátria. Morra o Medina. Pim! Pam! Pum! Reforme-se já e adira à APRE!
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