22-VIII
O gato de Bonnieux
Devemos
ainda ao casal de primos Susana e José, um hábito que tomaram desde que aqui se
instalaram para uma breve estadia na nossa vivenda campestre, o de irem depois
do jantar visitar Bonnieux, cuja vida se transfigura desde que o sol se põe,
com os cafés e restaurantes pejados de gente nas esplanadas, a saborearem a
frescura da noite provençal ou a visitarem as inúmeras pequenas lojas abertas,
em especial as galerias de arte que aqui proliferam. Desconhecíamos este charme
nocturno de Bonnieux, com o lazer de passar pelas ruelas estreitas e empinadas,
vendo ao longe, nas faldas do Luberon ou nas do monte Ventoux, as luzinhas
trémulas das aldeias que nos rodeiam, a começar com a tão próxima Lacoste, tão
branca e tão bela de dia como à noite, nada conforme com a lenda sadiana que o
seu nome envolve.
Numa
dessas passeatas nocturnas por Bonnieux, passámos pelo rebordo dumas janela
fechada, onde um bonito gato branco, com listas castanhas na cabeça e no dorso,
se levantou ao ver-nos passar, como que a pedir carícias. Fiz-lhe várias
festas, o que muito lhe agradou, enrolando-se deliciado, a solicitar os meus
afagos de amigo dos felinos, facto que ele decerto intuíra. Depois, cerca de
uma hora mais tarde, passámos de novo por aquela janela e voltámos a encontrar
o mesmo bichano no parapeito da janela cerrada, agora adormecido. Mas logo
acordou ao ouvir as nossas vozes, manifestando vontade de receber mais afagos,
o que lhe demos. E este gato tão sossegado e amistoso, no seu recanto de janela
onde talvez habitasse, ficou-me como a imagem mesmo a hospitalidade desta terra
que este ano elegemos para a nossa estadia mensal. E, por coincidência, ontem
mesmo mandei para Portugal dois postais ilustrados de Bonnieux onde apareciam
gatos, como se estes fizessem parte da imagem própria desta aldeia, ao lado das
suas igrejinhas e pracetas com abetos do Líbano.
O que
nos fez lembrar o sucedido com outro gato, desta vez no momento em que
tomávamos posse do nosso apartamento acabado de alugar, em Aix, em 1970, uma
vez que, ao entrarmos nessa nossa nova habitação, arrastando malas e sacos,
apareceu um gato preto que se introduziu de rompante nela. Em vão tentámos
enxotar este gato preto de pelo farto, aliás bastante carinhoso e que dava
mostras evidentes de ter vivido ali como animal doméstico antes de o
apartamento vagar e nós chegarmos. O problema é que o bichano tinha o péssimo
hábito de, a meio da noite, dar saltos para abrir a maçaneta da porta de
entrada, mostrando assim que queria sair, não havendo maneira de o dissuadir ou
sossegar, a não ser deixá-lo partir, indo ao rés-do-chão para lhe abrir a porta
do prédio. O problema é que, de madrugada, conseguia subir ao nosso primeiro
andar, miando a pedir que lhe abríssemos a porta. Como a situação se tornasse
insuportável, decidimos, com grande desgosto dos nossos três filhos, levá-lo
para o bairro vizinho do nosso, do outro lado do rio Arc, atirando-o
delicadamente para o quintal duma vivenda de luxo que nos pareceu muito apta a
receber o gato de costumes inoportunos e tão extravagantes.
João Medina
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