sexta-feira, 28 de junho de 2013

Um mês no Luberon: extractos dum diário provençal (15).

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27-VIII                                                                              
Monsieur Edmond Julien

 

O dono da casa que aluguei nos arredores de Bonnieux é um típico camponês provençal de pele tisnada, sotaque cerrado, um homem alto e seco de carnes, além de “apolítico” com um fundo muito rústico na sua antipatia pelos homens da política, as autoridades e os padres. Chama-se Edmond Julien, trabalha de manhã à noite, erguendo-se de madrugada para limpar as vinhas e fazer as regas necessárias dos seus campos. Para ele os políticos são todos, de esquerda como de direita, uma vil raça maldita, uma banda de sanguessugas que exploram o trabalho dos homens do campo, de modo que não leva a sério François Hollande e tutti quanti. Monsieur Julien começa a trabalhar a meio da noite, com o seu tractor nos seus muitos vinhedos espalhados em torno de Bonnieux, tendo ainda dois jeeps da marca Land Rover, usando roupa modesta mas com alguma elegância. De quando em vez, ao passar pelo nosso gîte, deixa em cima do muro do nosso terraço do castanheiro um cesto com uvas de mesa, enormes aubergines (beringelas) provençais e tomates “russos”, como ele lhes chama. Creio que esta sua generosidade cifrada em ofertas de vinho terá alguma coisa a ver com o facto de eu lhe ter oferecido, no dia da nossa chegada, uma garrafa de bom Porto e ainda uma de moscatel de Setúbal.

Por vezes, o Sr. Julien vem trocar dois dedos de conversa connosco, mas fica sempre do lado exterior do muro, partindo logo em grande velocidade para as suas incessantes fainas agrícolas. Outras vezes, deixa no cesto uma garrafa do rosé feito com uvas que ele vende à cooperativa de Bonnieux. Uma vez, ficou quase ofendido quando lhe disse que tínhamos comprado numa loja de vinhos em Lourmarin uma garrafa de branco local: que não, dizia, que o bom vinho era o nosso, o de Bonnieux, das suas vinhas, insistia ele.

No dia seguinte passou pela nossa vivenda para nos convidar para um goûter na casa dele, do outro lado da aldeia. Como a expressão goûter fosse ambígua e a hora combinada era ao fim da tarde, ficámos sem saber muito bem se Monsieur Julien nos convidava para um jantar ou apenas  para um lanche. No dia seguinte, após uma complicada navegação sem GPS, através das estradas apertadas e labirínticas nas vizinhanças de Bonnieux, chegámos à sua casa, uma típica habitação provençal, rodeada de dois poços, oliveiras e ciprestes, no meio dum vinhedo a perder de vista pelas encostas abaixo do Luberon. Quem nos serviu, na varanda exterior da casa, protegida do sol por um alpendre de telha e madeira, foi a filha do Sr. Julien, professora no liceu de Avignon, uma mulher ainda nova, quase sem sotaque provençal, o que talvez se devesse às suas constantes visitas a Inglaterra. A nossa merenda consistiu em copos de rosé e sanduíches de tapenade [1] e outros acepipes da Provença. A conversa correu com a afabilidade nativa desta gente, e, por volta das oito, ainda o sol não se tinha posto, já estávamos de regresso à nossa casinha do castanheiro. Mas como tal goûter nos tinha aberto o apetite, optámos por jantar no nosso terraço, refeição acompanhada do branco de Lourmarin, enquanto a estação da France Culture nos ia transmitindo um concerto de piano de Mozart.
 
 
João Medina









[1] Condimento provençal feito de azeitonas pretas, alcaparras e anchovas  marinadas em azeite.

4 comentários:

  1. Eu acho que a opinião do rústico M Julien sobre os políticos é compartilhada por 99% da humanidade.

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  2. Caro Professor Doutor João Medina para quando a publicação destas crónicas no Jornal de Letras? Eu, o meu marido e a minha amiga Lídia Jorge gostamos muito de poesia. As suas crónicas são poesia. Até a minha neta gosta de poesia. Mas nós preferimos todos o tinto de Lagoa. Menos a Mariana, claro, que não bebe, ainda é menor.
    Um dia ainda lhe atribuir uma Ordem do Infante pela sua contribuição para a nossa cultura.
    Maria Alves da Silva

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  3. Se a coisa é mesmo para durar um mês, ainda vamos cá ter o Medina até 15 de Julho (estamos a 29 de Junho e já há muito que não há cu pró Medina, f...se). Vai-se o caríssimo A. Araújo de férias e deixa aqui uma máquina automática de jorrar textos!!

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  4. Somos levados a presumir, entender, deduzir, que a filha do tal senhor apanhou sotaque Quebecois

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