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É uma pena que a Profª Ruth Benedict não tenha
falado desta interessante realidade quando escreveu O Cristântemo e a Espada, um clássico sobre o Japão. Mesmo gente
intelectual mais recente, como o Ian Buruma, muito inclinado a divagar pelas
taradices nipónicas, deixou passar ao lado este refrescamento cultural de grande
alcance. À primeira vista, isto não passa de uma parvoíce urbanóide inconsequente. À última vista,
isto não passa, de facto, de uma parvoíce urbanóide inconsequente. Mas, salvo casos extremos ou
entusiasmos obsessivos, lamber maçanetas de portas nunca fez a mal a ninguém.
O importante é não existir envolvimento emocional com a maçaneta lambida. É que, como bem sabemos, o envolvimento emocional prejudica sempre a dinâmica da relação. De resto, nada de mal. Ele há por aí, mesmo na pacata terra lusitana, muito doutor e muita doutora que tanta
maçaneta de porta lambeu para singrar na vida… e que mal veio ao mundo? Entre portas ou botas, tudo se lambe. E não, não venham dizer os moralistas que isto é
indício de niilismo autodestrutivo, da pós-moderna falência de «valores» ou mais um sintoma da
lipovetskiana era do vazio. Nada
disso. Aqui há apenas umas raparigas que se dedicam a lamber maçanetas de portas
e uns rapazes, ou outras raparigas, que as fotografam in actu. Até fizeram um tumblr com isto (http://doorknobgirl.tumblr.com/), também parcialmente publicado nesta colectânea de idiotias. Alguns dirão que isto é até mais porn do que o próprio porn,
mais sexualizado do que a própria sexualidade. Pois seja, não sei, mas qual o
mal? Nem afirmem que isto é exclusivo do claustrofóbico universo japonês, traumatizado por Hiroshima e por Fukushima,
polvilhado de Burakumin e de Otaku, É que, em boa verdade, por todo o hemisfério
setentrional, dito «civilizado», abundam exemplos de desvarios bem piores do
que este. Lamber portas será perverso, mas é simultaneamente inocente, cândido até, na
imbecilidade gratuita que o gesto encerra. Machismo à mistura? Talvez, não sei.
Apreço pelo bonding e outras práticas
humilhantes? Possivelmente. Para dissipar dúvidas, ligue-se para as Chaves do Areeiro ou, tratando-se de raparigas a lamber cinzeiros, consulte-se o engº Macário Correia. Uma conclusão se impõe: enquanto estão entretidas nisto, não estão a
fazer coisas piores. Como fumar tabaco açoriano, por exemplo. Ou, mais grave ainda, ler as redacções de
José Luís Peixoto. Assim, lambendo uma maçaneta aqui, outra maçaneta acolá, passam-se as tardes lânguidas da adolescência. E, bem supremo, evita-se o
contacto com Peixoto. Do Peixoto é que vem mal para os nossos jovens. Portanto, se quiserem beijar maçanetas e desde que não se maltratem terceiros, nada a opor a esta prática. As maçanetas, mais lustrosas e lambidas, até agradecem. O importante, o fundamental, é evitar o Peixoto. Tudo o que se faça para evitar o Peixoto é merecedor do nosso aplauso, intelectual e moral.
António Araújo
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