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Aqui há uns
tempos, uma agência de publicidade francesa, a TBWA, preparou um conjunto de
imagens para a Amnistia Internacional. Visando combater a utilização de
crianças-soldado nas guerras, uma das realidades mais terríveis dos conflitos bélicos contemporâneos,
a agência utilizou aquilo que é claramente uma montagem.
Perguntei a José Barreto o que achava.
Com o seu olhar infalível e os seus ímpares talentos de pesquisador, a resposta chegou
rápida e inequívoca: é uma montagem. Veja-se, por exemplo, o pormenor das
cordas dos enforcados: a corda do enforcado da esquerda está lassa no nó junto
à trave, E a trave está rachada e podre, não aguentaria o peso.
A isto poderíamos juntar o contraste da
luz das crianças em primeiro plano e dos enforcados, mais atrás. A manipulação é tão
grosseira que tudo indicia que os criativos da agência TBWA não quiseram
enganar ninguém, nem exagerar num inexistente realismo, deixando claro que se tratava de uma
montagem.
No entanto, mesmo admitindo essa
hipótese, com benevolência, o certo é que a imagem tem sido reproduzida aos milhares,
sem indicação de que se trata de uma manipulação fotográfica. E, como é
evidente, a generalidade das pessoas não olha as imagens nem as observa com o
rigor do meu amigo José Barreto, a quem agradeço a ajuda preciosa. No fundo, as pessoas acreditam
na autenticidade da imagem, que, graças à Internet, circula a uma velocidade
estonteante e é usada nos mais variados contextos, para os mais variados fins,
fazendo passar por real aquilo que, neste caso concreto, não aconteceu. É óbvio que poderia ter acontecido, mas não
aconteceu. E mostrar o que não aconteceu, nestes tempos digitais, é
particularmente perigoso. Com imagens, todo o cuidado é pouco.
Em suma, não me parece muito legítimo
que se tenha feito isto. Manipulação de imagens para fins artísticos, feita com
peso e medida, nada contra. Neste caso, e ainda para mais tratando-se de um
tema tão delicado e brutal, toda a cautela é pouca. O risco de abuso é
grande. Facilmente cedemos à tentação de tomar por verdade aquilo que o não é.
Até por se tratar de uma causa justa, impunha-se mais contenção e rigor. Com a melhor das intenções, podemos estar a manchar uma campanha justa por ter recorrido a técnicas e artes que geralmente são associadas ao que de pior existe nos regimes ditatoriais: a supressão da verdade. Assim, não.
Ao João Gama, que me mostrou esta imagem perguntando se era falsa,
ao José Barreto que dissipou todas as dúvidas, um abraço grato do
António Araújo
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