Julius Shulman
Case Study House # 22
1960
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Muitos
filmes foram rodados na Stahl House, mas ainda continua a ser a fotografia de
Julius Shulman que mais a distingue e a celebriza. Curiosamente, quase tudo
aquilo que aparece na imagem nocturna de Julius Shulman não corresponde à
verdade vivida na casa de Buck Stahl: as sofisticadas mulheres na imagem são
modelos (ou, melhor, estudantes que Shulman contratou como modelos), os móveis
tinham sido levados para lá, numa produção fotográfica da revista Art & Architecture. A realidade era
outra, talvez com menos aparato e glamour.
A casa foi
construída em 1959, integrando-se no Case Study Houses, um programa destinado a permitir o acesso das classes médias do pós-guerra e do baby boom à clareza da linha modernista e ao bom gosto do seu
despojamento estético. Situada em Hollywood Hills, a moradia de Stahl é a Case
Study House # 22. Muitas outras existem, nenhuma como esta. Talvez o seu
traçado seja demasiado previsível e até convencional, naquilo que representa de
tentativa de explorar ao limite o efeito visual de uma construção panorâmica. A
casa avança sobre a colina e quase se despenha no vazio, parecendo um armazém de vidro
colocado sobre o abismo. Porventura, o engenho habitacional é demasiado California style para o nosso gosto
sóbrio e sombrio, cansado de séculos. Provavelmente, há vestígios de uma tentativa de, com pouco dinheiro,
ir ao encontro do modelo «casa de sonho». J. Pimenta em versão hollywoodesca.
A história
da construção é curiosa. O projecto é da autoria de Pierre Koenig – e disso
ninguém duvida. No entanto, há uns tempos os familiares do proprietário, Buck
Stahl, disseram que este participara mais do que se pensa na concepção desta
casa. Buck era um antigo jogador de futebol americano que trabalhava na Hughes
Aircraft. Em 1954, andava por aquelas colinas com a mulher, Charlotte, em busca
de um lugar para construir uma casa. Como mais tarde contou aos filhos,
aconteceu um acaso: naquele preciso instante, o proprietário do terreno estava
ali, à mão de conversar. Duas horas depois, a compra estava feita, pela
quantia, hoje risível, de 13.500 dólares. Para a época, era muito. Com o mesmo
dinheiro, Buck Stahl poderia ter comprado um apartamento espaçoso. Mas não,
aventurou-se pela encosta acima. O pai de Buck e o resto da família
julgaram que ele e Charlotte tinham enlouquecido, que nunca conseguiriam
recuperar o investimento desastrado, num gesto literalmente precipitado colina abaixo. Entre a
contratação do arquitecto e a conclusão da casa passaram alguns anos, não
muitos. A casa custou 34 mil dólares, a piscina mais 3.651. Hoje, os Stahl já
tiveram ofertas de 15 milhões de dólares pela casa – e não vendem. A Casa Stahl
foi classificada, monumentalizada, é visitável por turistas e frequentemente
alugada para festas e eventos ou para sessões fotográficas, rodagens de filmes
e anúncios comerciais. Fizeram um site (http://www.stahlhouse.com/) onde vendem as inevitáveis camisolas e
canecas com o desenho estilizado saído da prancha de Koenig. Quererão fazer da
Casa da Colina um ersatz californiano da Casa da Cascata?
A partir de
uma fotografia anterior à contratação de Koenig como arquitecto, os familiares
de Buck dizem que este já havia idealizado a mansão dos seus sonhos. De facto,
a imagem, de 1956, é anterior à entrada de Koenig em cena, e a maquete
aproxima-se muito daquilo que viria a ser a construção acabada. A controvérsia
é um pouco insensata, pois Buck Stahl apreciava a arquitectura de Pierre
Koenig, conhecia já os seus trabalhos. Portanto, mesmo a ter sido pioneiro na
concepção global, idealizou uma casa parecida com aquelas que Koenig desenhava.
E, mais do que isso, contratou-o para riscar o projecto.
Deixemos, pois, a
estéril polémica. Mais interessante é ver, nesta reportagem do Los Angeles Times, o modo despreocupado
como os filhos de Stahl recordam a sua infância naquela casa. Crianças, não
tinham consciência da originalidade do sítio em que moravam, uma casa cercada
de vidro, com um ângulo de visão de 270º sobre o smog e as luzes de Los Angeles.
My dad loved that house. He never wanted to leave, recorda um dos filhos. Durante dois anos, o homem sonhou com aquela casa, transportando materiais para a sua construção, trabalhando no terreno aos fins de semana. Esta não é a moradia de um milionário, planeada e construída de encomenda. Esta é verdadeiramente a vivenda Stahl, a casa de morada de família, e assim foi enquanto o patriarca viveu. Perante isso, a discussão sobre a autoria do projecto é algo irrelevante. Hoje, ninguém vive lá. A casa serve apenas de cenário. No fundo, sempre serviu. Talvez esta construção tenha sido sobretudo isso, um esplendoroso palco com vista sobre a cidade. Talvez só tenha sido verdadeiramente uma casa enquanto Buck Stahl lá viveu. O nome, de facto, é muito apropriado, Stahl House. Mas o que lhe deu fama, queiramos ou não, foi o postal nocturno de Julius Shulman. Aquele lá em cima, com as modelos sofisticadas e as mobílias emprestadas. Onde acaba a casa e começa o cenário? Isso é linha que, com rigorosa precisão, arquitecto algum será capaz de traçar.
Para a Joana e para o André
António Araújo
Buck Stahl e o sobrinho, em 1956, com um modelo da casa,
16 meses antes da contratação de Koenig.
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goodie!
ResponderEliminarabsolutely amazing. i believe architecture and the emotion that runs through the designers have shifted a little to the colder side in this century. I adore old pieces of the past...character, presence, beauty, and superior uniqueness. up for historical site now i believe. And, as it should be recognized! ;D
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