quarta-feira, 14 de março de 2018

Lutz Eigendorf (1956-1983), in memoriam.



Lutz Eigendorf

 

         Foi necessário sair um livro, um livro ficcional, para nos recordarmos do destino trágico de Lutz Eigendorf. Sendo ficcional, esse livro baseia-se em factos infelizmente verídicos, que o jornalista espanhol Eduardo Verdú investigou para escrever Todo lo que ganamos cuando lo perdimos todo. Na sua pesquisa, Verdú acabou um dia por ir dar a uma sepultura na floresta de Kaiserslautern.
 




         Aí se desvanecem os restos mortais de um jovem de 26 anos. Uma estrela de futebol da RDA, Lutz Eigendorf, que na Alemanha comunista tinha tudo a que podia aspirar: a protecção do sinistro e todo-poderoso Erich Mielke, director da Stasi, que o apadrinhava por Lutz ser uma estrela de futebol (e, logo, uma arma política de grande valor); uma mulher bela, a mais bonita colega de escola, da qual tinha uma filha de dois anos.

O regime festejava-o, adulava-o, Lutz era o «Beckenbauer do Leste», nos dizeres da propaganda. Vivia sob férrea disciplina desde os 14 anos, quando ingressou no Dínamo de Berlim (o clube-mascote da Stasi), onde conquistou a glória. Cientes da sua valia política, os dirigentes da RDA começaram, ao que se diz, a fazer com que todos os jogadores, da sua equipa e das outras, jogassem a seu favor. Fraudulentamente. Talvez fosse isso que fez despertar em Lutz o desejo de fugir, a ânsia da liberdade. Ou o facto de estar saturado de, desde muito novo, ter de assumir tarefas como comissário político, a par dos treinos e das partidas que são habituais a todo o jogador da bola.







Em 20 de Março de 1979, Lutz desertou para o Ocidente. Aproveitando uma partida amigável na Alemanha «de cá», escapuliu-se com fragor enquanto os seus colegas faziam compras nas apetecidas lojas da RFA. Apanhou um táxi, fez uma viagem de 170 quilómetros até ao estádio do FC Kaiserslautern. Aí chegado, ofereceu-se para jogar no clube, que de imediato o contratou.

Obsessiva, doentia, a Stasi nunca parou de andar no seu encalço. Montou uma trama para o liquidar, a Operação Rosa, e tudo indica que foram agentes da RDA que estiveram na origem da sua trágica e aparatosa morte, em 5 de Março de 1983. A perfídia raiou a loucura: quando se aperceberam de que Lutz tencionava chamar a si a família, que deixara a Leste, trazendo para viver no Ocidente, a polícia política organizou o inconcebível, o cúmulo da maldade, mobilizando um agente, Peter Hommann, com uma missão clássica nos operacionais da Stasi: seduzir Gabi Eigendorf, que cedeu aos encantos (ou à chantagem?) daquele donjuan vermelho. Peter convenceu Gabi a divorciar-se para casar com ele e chegou, pasme-se, a adoptar a filha do desertor, rebaptizada Sandy Hommann.     
 





Lutz jogou dois anos na Bundesliga. Comprou um Alfa Romeo GTV-6 e, numa noite de Março de 1983, teve um brutal acidente de automóvel, ainda hoje tido suspeito, mais que suspeito.

E tudo isto se passou não longe de nós, num tempo em que muitos dos que lemos e conhecemos isto já éramos crescidos e bem adultos. Mas nem todos quiseram ver, na época. Mesmo hoje, alguns ainda teimam em negar, tendo o supremo desplante de chamar «revisionistas» (ou mesmo «fascistas») a quem deles discorde. Um passado que não quer passar.
 
 
 

 

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