sexta-feira, 2 de março de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 17

 
 


 
 

           17.   

 
Impressa, muito provavelmente, na década de 1820, a xilogravura intitulada Murasakigai, descrita aqui e inserida na série Genroku Kasen Kai-awase, é anterior à Grande Onda.
 
Está assinada «Do pincel do velho lunático Ilitsu» (Getchi Rojin Iitsu hitsu, 月痴老人為一筆), o que, entre outros elementos, permite datá-la dos anos 1820-1834, o período em que Hokusai assinava com o nome Ilitsu.
 

Murasakigai
Museu Britânico, 1907, 0531, 0.155


 
 
Ainda que tenha mar, o protagonista desta xilogravura são as nuvens. São elas que cortam a imagem em duas partes e lhe conferem uma imagem nocturna ou de final de jornada. A dupla correnteza dos homens de vermelho, que puxam as redes em visível esforço, apresenta-se de forma militar, marcial, como soldados em marcha. Esse efeito é produzido não apenas pela posição dos pescadores em linha, todos apoiados no pé direito e com a perna flectida, como se não passassem da repetição de uma única imagem, reproduzida ad infinitum, despersonalizada por esse processo e pela ausência de feições dos rostos, rostos de homens calvos, quase todos.

 


 
Não são muito diferentes estes pescadores dos que vemos a enfrentar a força colérica de A Grande Onda  
 


           Ao espraiar-se na areia, o mar adquire contornos semelhantes aos dos arbustos na terra. Apenas a coloração um pouco mais carregada destes últimos permite distingui-los das ondas marinhas – e o observador não consegue saber ao certo se é o mar que entra pela areia ou o seu contrário (ou que diferença existe entre os arbustos da terra e as ondas desfeitas à beira-mar).
 


 
 
    Para mais, um pequeno rochedo no canto inferior direito assemelha-se a uma onda, a uma grande onda.






         As nuvens caminham para a direita, e aí se avolumam, exactamente como os pescadores em marcha. Já a terra vai na direcção inversa, invadindo o mar da direita para a esquerda.
 
Já antes, em 1804-07, na série Gravuras de Paisagens em Estilo Ocidental, o tratamento idêntico de terra e de mar fora expresso de modo exuberante, como se depreende da comparação entre O Caminho de Ushigafuchi a Kudan e Vista do Mar Aberto na província de Kanagawa. A elevação terrestre da primeira gravura tem o seu equivalente marítimo na onda erguida na Vista do Mar Aberto na província de Kanagawa.
 

O Caminho de Ushigafuchi a Kudan

 
Vista do Mar Aberto na província de Kanagawa


 
O ponto mais interessante da xilogravura Murasakigai será, talvez, o efeito que as nuvens provocam a quem vê a imagem.

 


 
As nuvens parecem montes suaves na margem de um lago plácido; e o lago assemelha-se a um espelho de água onde se reflecte a árvore frondosa e os seus ramos esparsos.
 
O modo como as nuvens intersectam a paisagem, sobrepondo-se a ela, será porventura alcançado através da técnica de impressão, sendo um efeito evidente em muitos trabalhos de Katsushika Hokusai, como sucede com outra xilogravura da mesma série, descrita aqui, em que se exibem crianças e um vendedor de brinquedos. Atente-se na forma como as nuvens escuras, carregadas, devoram os ramos esmaecidos da árvore situada à esquerda da imagem.


Shijimi-kai
Museu Britânico, 1907, 0531, 0.153

 
 

 
 

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