36.
Em A
Grande Onda os marinheiros são todos iguais, de rostos inexpressivos e com
um vestuário idêntico, como soldados.
Nenhum se distingue em particular nem
ostenta qualquer sinal – um traço fisionómico, um adereço na roupa – que o
singularize.
As feições dos marinheiros são, aliás,
desenhadas a traços simples, sem que Hokusai cuidasse de personalizá-las ou até
mesmo de lhes conferir um perfil humano.
Para essa despersonalização muito
contribui o facto de os rostos terem uma aparência glacial, quase
fantasmagórica. Todavia, o perigo da morte iminente – ou do seu risco – não se
adivinha em lugar algum, seja no rosto dos homens do mar, seja nos seus gestos.
Pressente-se, quando muito, o rasto de alguma obstinação.
Não
se nota sequer que os marinheiros estejam a fazer um esforço especial para
enfrentar a grande onda.
A total alvura da sua pele, em
contraste com o azul carregado da roupa, explica-se pelo cromatismo da
composição, que poderia ser desfigurado se acaso Hokusai tivesse tingido o
rosto dos marinheiros de cor de carne.
O branco da pele serve também para
assemelhar as cabeças calvas dos marinheiros aos salpicos de espuma do mar que,
note-se, se concentram inteiramente no
lado esquerdo da imagem, reforçando o contraste entre esse lado, o da
turbulência, e o lado direito, o da serenidade.
De acordo com a leitura visual dos
japoneses, da direita para a esquerda, o desenho assinala a calma (à direita) que
se converte em tempestade (à esquerda), ponto que tem sido referido por
observadores especialmente qualificados como Timothy Clark (Hokusai’s Great Wave, Londres, The
British Museum Press, 2011, p. 9).
Noutros trabalhos, Katsushika Hokusai
recorreu a esta estratégia de despersonalização das figuras humanas, ainda que não
com a mesma intensidade de A Grande Onda.
Foi o caso da gravura impressa muito
provavelmente na década de 1820 (sendo, portanto, anterior à Grande Onda) e intitulada Murasakigai, de que se falou em Notas sobre A Grande Onda – 17.
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