18.
Se um dos tópicos característicos da
obra de Katshushika Hokusai é a ligação entre mundos distintos, mesclando-se a
terra e o mar, esse será, de igual modo, um traço marcante do trabalho de M.C.
Escher (1898-1972).
Há profundas afinidades visuais entre
as obras de Hokusai e de Escher, assinalando alguns comentadores da obra deste
último que os jogos de luz e sombra das «gravuras italianas» de Escher, feitas
na década de 1930, evocam a estilização das ondas e das montanhas das
xilogravuras japonesas e, em particular, de Hokusai. Esta observação foi feita por
Douglas R. Hofstadter, autor
do famoso livro Gödel, Escher, Bach: an Eternal Golden Braid (1979),
num ensaio intitulado «Mystery, Classicism, Elegance: an Endless Chase After
Magic» e publicado na obra colectiva M.C.
Escher’s Legacy. A Centennial Celebration, coordenada por Doris
Schattschneider e Michele Emmer, correspondendo a uma compilação das
intervenções que tiveram lugar na Conferência do Centenário de M.C. Escher
realizada em Roma em 1998 (Springer-Verlag, 2003). Segundo Hofstdater, o caso
paradigmático desta afinidade com Hokusai seria a xilogravura Árvore Caroba,
Ravello, de Fevereiro de 1932.
M.C. Escher, Árvore Caroba, Ravello, 1932
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Talvez se possa sustentar que é noutros
lugares da obra de Maurits Cornelius Escher que encontramos, porventura,
aproximações mais visíveis aos trabalhos dos ilustradores japoneses e, em
especial, de Katsushika Hokusai.
Observe-se, entre muitos outros
exemplos, a forma como Hokusai procede à ligação entre o reino terrestre e o
reino aquático na xilogravura Vista do
Monte Fuji de Kanaya na Estrada de Tokaido (Tokaido Kanaya no Fuji, 東海道金谷ノ不二), descrita aqui e inserta na série Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, a
que pertence A Grande Onda.
Katsushika Hokusai, Vista do Monte Fuji de Kanaya na Estrada de Tokaido, 1831-1833
Museu Britânico, 1906,1220,0.536
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Produzida em 1830-1831 e assinada «Do pincel
de Ilitsu, o antigo Hokusai» (Saki no Hokusai Iitsu hitsu, 前北斎為一筆), esta xilogravura destaca-se pelo modo como as linhas das ondas
do mar têm o seu símile nos riscos do que são, ou parecem ser, campos lavrados.
É também de assinalar a presença das nuvens, aqui expostas de uma forma
desconcertante, uma vez que, na parte superior da imagem, estão tão baixas que
se situam à altura das águas, e, na parte inferior, penetram as árvores de um
modo singular (que, em todo o caso, não é invulgar na obra de Hokusai, como se
referiu na Nota 17).
O mar e a terra em Vista do Monte Fuji de Kanaya na Estrada de Tokaido, 1831-1833
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Esta
duplicação (ou multiplicação) de mundos é um aspecto nuclear do trabalho de
Escher, como fica patente em algumas das suas obras, tais como as xilogravuras Céu e Água I, de Fevereiro 1938, e Céu e Água II,
de Dezembro do mesmo ano; a linoleogravura Águas Agitadas, de
1950 (a única que o seu filho exibia em casa, e perante a qual Escher disse:
«Quando vi esta gravura na casa do meu filho, na Dinamarca, achei-a bonita!»); Charco, de Fevereiro de 1952, uma xilogravura em preto,
verde e castanho, impressa a partir de três blocos, ou, sobretudo, Três Mundos, litografia de Dezembro de 1955, com as dimensões
362 x 247. Sobre ela, disse o seu autor: «Eu ia por uma pequena ponte nas matas
de Baarn e vi isto diante de mim. Tinha de fazer disto um desenho! O título
veio-me com o primeiro relance de olhos. Fui para casa e comecei logo a
desenhar».
M.C. Escher, Céu e Água I, 1938
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M.C. Escher, Três Mundos, 1955
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Para
adensar a sensação de profundidade – ou, melhor dizendo, para realçar a
presença das águas paradas que constituem um dos três mundos –, Escher aviva, muito para lá do que é «natural»,
digamos assim, o rebordo das folhas caídas, recorrendo a um simulacro quase
análogo a um trompe l’œil. Isso é
particularmente visível nas folhas situadas mais próximas do ponto de visão, em
redor do peixe que nada diante do observador, por forma a conferir uma sensação
de profundidade a quem contempla a gravura. A planície aquática que se estende
diante do olhar termina com o reflexo, nas águas, do tronco de três árvores,
que «fecham», por assim dizer, o campo visual ou a cena campestre que Escher
observou nas imediações da sua casa.
M.C. Escher, Três Mundos, 1955 (detalhe)
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Repare-se
agora como Hokusai, sem idênticas preocupações de realismo, apresenta duas
carpas a subir uma queda de água numa xilogravura circa 1833, descrita aqui,
produzida pelo impressor Moriya Jihei e assinada «Do pincel de Ilitsu, o antigo
Hokusai» (Saki no Hokusai Iitsu hitsu, 前北斎為一筆). Trata-se de um kakemonoe,
ou seja, de uma gravura sob a forma de rolo pendente. Feita ao «estilo chinês»,
evoca precisamente a lenda chinesa segundo a qual a carpa que conseguisse subir
o Rio Amarelo transformar-se-ia num dragão; a frase «passar (ou subir) na porta
dos dragões» (tōryūmon) significa a
via para ter sucesso na vida, sendo a carpa ascendente um símbolo de coragem
que, não por acaso, no Japão é especialmente usado no Dia dos Rapazes (5 de
Maio). Ainda que, segundo o comentário do Museu Britânico, o elemento central
desta gravura não seja a carpa que salta a cascada mas a que permanece em
baixo, movendo-se nas águas, para o ponto que interessa ressaltar deve, acima
de tudo, atentar-se no modo como a cascada cai de forma perfeita, sem desvios
ou espuma, parecendo cabelos ou folhas onde se entrevê, a espaços, o dorso do
animal. Na Internet (por exemplo, na Wikiart)
circula também a imagem de uma gravura atribuída a Hokusai cuja identificação
não foi possível realizar por ora, sendo aqui publicada com essa advertência.
Museu Britânico, 1927,0413,0.14
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As obras mais consistentes sobre M.C. Escher e o seu legado não contêm informação sobre se o artista gráfico holandês conhecia as gravuras do «mundo flutuante», ainda que isso seja bastante provável.
Seu pai, o engenheiro hidráulico George Arnold Escher (1843-1939),
passara cinco anos no Japão, para onde embarcou de Marselha em Agosto de 1873
com vista a trabalhar nas obras do porto de Osaka. A sua permanência no Japão,
de onde trouxe memórias e diversos objectos, foi dos momentos mais relevantes
da sua vida profissional, como o comprovam as inúmeras referências que, no seu
diário, dedicou àquele país.
M.C. Escher nasceu em 1898, muito depois
de o seu pai ter regressado do Japão, enviuvado e ter casado em segundas
núpcias com a sua mãe, a 27 de Outubro de 1892.
No entanto, Maurits (Mauk) sempre teve uma
profunda ligação, afectiva e não só, com seu pai, de quem faria o retrato no
leito de morte, em 14 de Junho de 1939. E, durante a juventude de Mauk, a
influência do pai estendeu-se ao campo cultural e artístico; nas férias de
Verão, a família deslocava-se a Gand, Bruges ou Antuérpia, onde visitavam
igrejas e museus e compravam reproduções das pinturas de mestres como Memling
ou Jan van Eyck para o «canto de trabalho e arte» de Mauk, que até ao fim da
vida conservará esses desenhos na parede do seu estúdio. Numa entrevista de
1968 ao semanário Vrij Nederland,
Escher dirá: «amava muito o meu pai. Sempre teve uma grande influência sobre
mim e sou muito parecido com ele. Também ele era um solitário que passava a
maior parte do tempo sentado na sua sala».
George
Arnold Escher, aliás, não se opusera à opção do filho, quando este lhe
comunicou, em 1919, ter a intenção de abandonar os estudos de arquitectura para
se converter em artista gráfico. O pai chamou apenas a atenção para as
dificuldades de um artista obter os rendimentos necessários para constituir e
manter uma família, afirmando todavia que não iria decidir em nome do filho e
respeitaria a decisão quanto ao seu futuro. Ainda assim, viveu sempre
preocupado com o número crescente de netos, interrogando-se sobre os seus
filhos teriam dinheiro suficiente para educar as crianças; essa preocupação
aumentou quando um dos seus netos, Rudolf George Escher (1912-1990) ,
filho do geólogo e mineralogista Berend George Escher (1885-1967),
decidiu tornar-se também ele um artista, mais precisamente um compositor
musical.
O
pai de Escher morreu em 1939, com 96 anos, e, de acordo com as informações
disponíveis, o deflagrar da 2ª Guerra Mundial não afectou significativamente o
trabalho do gravador neerlandês no tempo em que residiu em Baarn, uma pequena
aldeia da Holanda. Ainda assim, Escher foi profundamente marcado pela tragédia
que se abateu sobre o seu amado mestre, a personalidade que o fez tornar-se
artista gráfico, o judeu Samuel Jessurun Da Mesquita (1868-1944),
cujo apelido é, muito provavelmente, de origem portuguesa (o matemático Bruno
Ernst, que acompanhou de perto Escher, afirma peremptoriamente que Da Mesquita
era «um homem de origem portuguesa»: cf. Bruno Ernst, O Espelho Mágico de M.C. Escher, Taschen, 1991, p. 7).
«Fui profundamente influenciado por
este professor, cuja forte personalidade terá decerto deixado marcas na maioria
dos seus alunos», dirá Escher (in The
Graphic World of M.C. Escher – introduced
and explained by the artist, Meredith Press, 1975, p. 5).
Na noite de 31 de Janeiro de 1944, Da
Mesquita foi levado pelos alemães, sendo deportado para Auschwitz, onde terá
morrido, pensa-se, pouco depois, a 11 de Fevereiro desse mesmo ano. Escher
ajudou a encontrar um local para depositar a obra gráfica do mestre, que ficou
guardada no Stedeljik Museum, em Amesterdão. Escher guardaria até ao fim da
vida, junto à sua mesa de trabalho, uma gravura feita por Da Mesquita onde se
viam as marcas das botas de um soldado alemão.
Pouco antes de ser capturado pelos nazis,
Da Mesquita escrevera, a 11 de Janeiro de 1944 (ou seja, precisamente um mês
antes de morrer em Auschwitz), uma pungente carta ao seu discípulo: «Querido
amigo, Ainda que saiba ser muito difícil, não podia deixar de lhe escrever para
desejar que mantenha a força necessária para preservar o seu talento anterior à
guerra ao longo de toda a vida». Em 1946, Escher ajudou a organizar uma
retrospectiva da obra de Da Mesquita, patente no Stedeljik Museum, e contribuiu
com um texto para o catálogo.
Durante a guerra, Escher recusou
participar em exposições ou outros actos públicos organizados pelos alemães. No
Outono de 1945, foi feita uma grande mostra, no Rijksmuseum de Amesterdão, das
obras de artistas que tomaram idêntica atitude, tendo Escher participado nessa
exposição com quatro gravuras e um desenho. Recorde-se que Escher sempre
manifestara a sua repulsa pelo fascismo italiano, tendo abandonado Itália, país
onde se fixara em 1924, quando o seu filho mais velho, George, foi obrigado a
vestir a farda dos balillas. De 1935
a 1941, a família Escher viverá em Chateâux-D’Oex, na Suíça («detestável,
branca miséria de neve») e na Bélgica.
M.C.
Escher procurou imprimir sempre em papel japonês, o que o obrigava a constituir
reservas desse material nos tempos difíceis do pós-guerra. A casa impressora
Enschedé conseguiu obter-lhe papel japonês em diversas ocasiões, por vezes em
troca de algumas gravuras, como sucedeu em 1948, tendo Escher escrito uma carta
ao director da Enschedé, onde diz: «Fiquei deleitado por receber a sua carta de
dia 5 e um conjunto de cem folhas de papel japonês. Estou muito grato pela sua
generosidade; a partir de agora, e durante os tempos, poderei encarara o futuro
com paz de espírito no que ser refere aos materiais essenciais ao meu trabalho.
Como é evidente, estou mais do que disposto a dar-lhe, para a sua colecção das
minhas gravuras, aquelas que lhe faltam, em troca do papel» (in F. H. Bool, J.
R. Kist, J. L. Locher e F. Wierda, M.C.
Escher. His Life and Complete Graphic Work, Harry N. Abrams Inc.,
Publishers, 1982, pp. 60-62).
Escher
nunca visitará o Japão e fotografias do seu estúdio, tiradas em 1915 (ou seja,
numa fase muito preliminar da sua carreira), mostram nas paredes reproduções de
clássicos da grande pintura ocidental mas nenhum objecto do Oriente (ao
contrário do que sucede com o compositor Claude Debussy, que na parede de sua
casa tinha em lugar de destaque um exemplar de A Grande Onda). Por outro lado, Escher manifestará um profundo
desprezo pela arte contemporânea em geral, especialmente pelos trabalhos de
Carel Willink, Karel Apel e Vasareli, não hesitando em apelidar este último de
«aldrabão» (cf. Bruno Ernst, ob. cit.,
p. 72).
Na
correspondência com o seu filho Arthur, que se encontrava na Indonésia em
finais da década de 1950, existe uma referência desenvolvida às Viagens de Marco Polo, mas não há
quaisquer alusões à arte daquele país nem à arte do Oriente, de um modo geral
(cf. uma resenha dessa correspondência in F. H. Bool, J. R. Kist, J. L. Locher
e F. Wierda, ob. cit., pp. 91ss).
De
igual modo, a sua atracção pelo mar (presente, por exemplo, na aguarela O Mar
na foz do Ebro, pintada a bordo do navio Juno em 29 de Setembro de
1922, ou na litografia Mar Fosforescente, de Julho de
1933), da qual falará aquando da sua
viagem ao Canadá em 1960, feita num navio (como, de resto, as viagens a Espanha),
não é suficiente, como é óbvio, para sustentar uma ligação entre a sua obra e a
do autor de A Grande Onda (sobre
aquela viagem, cf. F. H. Bool, J. R. Kist, J. L. Locher e F. Wierda, ob. cit., pp. 103ss).
Ainda
assim, e tendo em conta o fulcro da actividade artística de M.C. Escher,
centrado na xilogravura ou nas litografias, bem como a ligação paterna ao Japão,
é bastante improvável que desconhecesse a arte dos mestres japoneses, mesmo que
não existam informações que permitam atestar de forma concludente que o
holandês estava familiarizado com os trabalhos do «mundo flutuante».
No entanto, importa reconhecer que, ao
contrário da paisagem italiana e dos padrões mouriscos admirados no Alhambra e
em Sevilha nos anos 1922-24 (retornaria a Espanha em 1936, passando dois dias a
desenhar a mesquita de Córdova), não existem indícios seguros de uma influência
marcante e reconhecida da arte japonesa no trabalho de M. C. Escher. A
retrospectiva patente no Museu de Arte Popular, em Lisboa, de Novembro
de 2017 a Maio de 2018 (http://escherlisboa.com/), organizada pela empresa Arthemisia e com curadoria de
Mark Valduisen (director-geral da M. C. Escher Company) e de Federico
Giudiceandrea, não faz qualquer alusão ao influxo das gravuras nipónicas na
obra do genial artista gráfico holandês, o mesmo sucedendo, de resto, com o
respectivo catálogo [cf. Federico Giudiceandrea (org.) e Piergiorgio Odifredi
(textos), Escher, Maurits srl, 2017].
O
que pode existir, em suma, são gravuras japonesas que evoquem o trabalho do
holandês ou vice-versa, isto é, semelhanças e afinidades estilísticas ou de
composição cuja apreciação prescinde do dado objectivo de saber, ou não, se
Escher foi efectivamente influenciado por Hokusai.
Entre
as obras de Hokusai que revelam algumas semelhanças com o estilo de Escher pode
apontar-se, desde logo, Kaijo no fuji,
de 1834-35, inserida no segundo volume de Cem
Vistas do Monte Fuji. Na crista da onda prestes a desabar – e, à semelhança
de A Grande Onda, o Monte Fuji é
integrado na cena como uma vaga igual às demais –,um bando de pássaros
esvoaçantes; pássaros brancos, cuja configuração quase reproduz a da espuma do
mar, como se fosse um seu desdobramento nos céus ou a sua reprodução até ao
infinito.
Não
é difícil evocar, a este propósito, diversos trabalhos de M.C. Escher, podendo
referir-se uma das obras-chave da sua arte gráfica («a mais admirada», no dizer
de Ernst), Metamorphosis II, gravura produzida entre
Novembro de 1939 e Março de 1940. Ou Dia e Noite, xilogravura de 1939.
Há um trabalho de Hokusai em que a ideia de desdobramento de realidades é notória. Trata-se de uma xilogravura publicada por Moriya Jihei circa 1831, de um conjunto de dez que, segundo parece, nunca chegou a ser comercializado. De acordo com a página na Internet do antiquário londrino Richard Kruml, especializado em gravuras japonesas do estilo ukiyo-re, existe um exemplar no Victoria & Albert Museum, que foi reproduzido na obra de Nelly Delay, L’Estampe Japonaise, Hazan, 1993, p. 195. Uma consulta às 38 entradas com o nome de Hokusai existentes no catálogo online do Victoria & Albert Museum (https://collections.vam.ac.uk/) não permitiu localizar esta obra. Repare-se na configuração da vaga, com garras muito semelhantes às de A Grande Onda, mas, sobretudo, no modo como as aves parecem fundir-se com a crista da onda quando as suas asas tocam a espuma marinha num ponto imperceptível; a sobreposição cromática das penas do dorso e das ondas aprofunda o jogo visual, o trompe l’œil.
Em
2006, por ocasião de uma histórica exposição da obra de Hokusai patente na
Sackler Gallery, em Washington D.C., destinada
a assinalar o centenário da doação do industrial e coleccionador Charles Lang
Freer (1854-1919) ao seu país, foram exibidas mais de 180 peças, algumas das
quais não eram mostradas desde 1960 (nos termos da doação, o legado de Freer só
pode ser exibido na Sackler Gallery, sendo proibidos os empréstimos a outras
instituições). Escrevendo nas páginas do Washington Post, Eve Zibert afirmou que
a obra do japonês fazia lembrar trabalhos de M.C. Escher e apontou como exemplo
uma peça existente no Museu Nacional de Tóquio. Trata-se de uma xilogravura de
um conjunto de galinhas publicada em 1835, assinada «Saki no Hokusai Litsu
Hitsu», com as dimensões 22.2 x 29 cm, de acordo com a descrição do site http://www.hokusai-katsushika.org,
uma das maiores, senão a maior, bases de dados online da obra de Katsushika
Houkusai.
Na
verdade, o modo como as aves se amontoam e aglomeram na imagem, preenchendo
toda a superfície e todo o campo visual, tem claras analogias com diversos
trabalhos de Escher, sobretudo as explorações do infinito na fase final da sua
obra, mas também de etapas antecedentes, podendo citar-se, entre muitas outras,
a xilogravura de 1948 intitulada O Sol e
a Lua.
Sobre
esta obra, escreveu Bruno Ernst:
«Na
xilogravura O Sol e a Lua, de 1948,
Escher usou a divisão de superfície como meio de criar dois mundos simultâneos.
A superfície inteira está preenchida com catorze aves brancas e catorze aves
azuis. Se dermos toda a nossa atenção às aves brancas, sentimo-nos deslocados
para a noite: catorze aves claras destacam-se no céu nocturno de profundo azul,
onde podemos observar a Lua e outras estrelas.
Se,
pelo contrário, nos concentrarmos nas aves azuis, vemo-las como silhuetas
escuras contra o céu claro do dia, cujo ponto central é um Sol radioso.
Se
olharmos mais de perto, descobriremos que todas as aves são diferentes.»
Refira-se,
por último, que, por coincidência ou talvez não, em 2017 estiveram patentes no
Palazzo Reale de Milão, com uma enorme afluência de visitantes,
duas exposições em simultâneo, uma dedicada a M.C. Escher (a mesma que se
encontra no Museu de Arte Popular, em Lisboa) e outra que exibia trabalhos de
Hokusai, Hiroshige e Utamaro. A popularidade convergente de Hokusai e de Escher
será, porventura, o triunfo de uma arte figurativa «fácil», acessível por um público vasto
e diversificado.
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