sexta-feira, 9 de março de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 21





 
 
 
 

         20.
 
        Portugal teve ocasião de ver alguns trabalhos de Hokusai aquando da exposição «Imagens de um Mundo Flutuante.Estampas, livros e álbuns da colecção Paul Ugo Thiran», patente ao público na Casa-Museu Anastácio Gonçalves, em Lisboa, de 28 de Novembro de 2014 a 10 de Maio de 2015.

 
 
Paul Ugo Thiran
 
 
 
 
Paul Ugo Thiran foi um coleccionador belga radicado em Portugal durante mais de quatro décadas, que faleceu em 7 de Novembro de 2009. No texto que publicou no catálogo daquela exposição, a sua mulher, Maria Teresa Thiran, explica que, no início, Paul Thiran pensava apenas coleccionar obras da família Utagawa. No entanto, com o decurso do tempo, a colecção foi-se alargando, fruto de compras em antiquários e casas leiloeiras londrinas (a Bohams Auction House, a Sotheby’s e a Christie’s), mas também, curiosamente, de aquisições efectuadas na sua maior parte em Portugal.

 

É igualmente curioso salientar que a primeira peça da colecção foi uma xilogravura de Katsushika Hokusai, adquirida por um simples acaso em 1968, na antiga Rodésia do Sul, actual Zimbabué. De acordo com sua mulher, Paul Thiran «encontrou num leilão, escondida atrás de um piano, uma xilogravura japonesa emoldurada, que o encantou pela sua beleza e simplicidade – um monte coberto de cerejeiras em flor, alguns viajantes, um deles com o seu cavalo subindo por uma estrada sinuosa em direcção a um templo que se vislumbrava por entre as árvores. A economia de meios para representar esta cena era surpreendente. Sem saber que estava perante uma obra de um grande artista japonês, Katsushika Hokusai, o futuro coleccionador de gravuras japonesas não hesitou em adquirir esta peça, sobretudo por muito bom preço, porque ninguém estava particularmente interessado nela. Foi assim que Paul Ugo Thiran começou a sua colecção de estampas, álbuns e livros japoneses dos séculos XVIII e XIX (….)» (cf. Maria Theresa Thiran, «Sobre o coleccionador e a sua colecção», in Imagens de um Mundo Flutuante. Estampas, livros e álbuns da colecção Paul Ugo Thiran, Casa-Museu Anastácio Gonçalves–Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2014, p. 12).  

 

A xilogravura que Paul Ugo Thiran adquiriu na Rodésia foi elaborada circa 1833 e denomina-se Cerejeiras em flor no Monte Yoshino (Yoshino Hanna), pertencendo à série Neve, Lua e Flores (Setsugekka), composta por três estampas cujo tema é a brancura. Está assinada «Do pincel de Iitsu, antes conhecido como Hokusai» (Zen Hokusa Iitsu hitsu). A gravura de Paul Thiran apresenta algumas manchas no canto superior direito, apresentando-se aqui a reprodução existente na base de dados https://ukiyo-e.org/, a qual contém mais de 220 mil reproduções de imagens do «mundo flutuante».
 
 
Katsushika Hokusai, Cerejeiras em flor no Monte Yoshino, c. 1833

 

Além desta, Paul Ugo Thiran possuía gravuras de «desenhos grotescos» (manga) de Hokusai, que este agrupou numa colecção de quinze livros intitulada Denshi Hokusai Kaishu Manga. Na exposição patente na Casa-Museu Anastácio Gonçalves foram exibidas imagens do Livro 6 e do Livro 11. Duas delas são de especial interesse para Portugal – e Paul Thiran foi um estudioso das relações luso-nipónicas, tendo abordado a chegada dos nossos compatriotas ao Japão, cerca de 1543 – porquanto mostram uma demonstração de tiro pelos portugueses em Tanegashima (Livro 6, fl. 25) e uma caçada às rolas feita por portugueses também em Tanegashima (Livro 11, fl. 19). Na primeira delas, existe uma inscrição à margem de Hokusai, que diz: «No quinto dia do oitavo mês do décimo primeiro ano da era Tenbun [5 de Agosto de 1543], ano da Lebre/Na província de Osumi, em Tanegashima, eles [os portugueses] que foram levados pelas correntes de água» (Tenbun Ju Ichi Mizumoto U Hachi Gatsu Dai Itsu Ka/Osumi Kuni Taneshima Hyokyu).

 

Os interessados na obra manga de Hokusai têm ao dispor, entre outras compilações, a obra em dois volumes Hokusai – La Manga. L´édition complete comentèe, introdução, comentários e tradução do japonês de Maatthi Forrer, trad. do holandês de François Veys, Paris, Hazan, 2014. Pode também consultar-se a versão digital disponibilizada pela Biblioteca Nacional de França (aqui e aqui, para as gravuras mencionadas) ou pelo Museu Britânico (aqui e aqui, idem).
 
 
Museu Britânico, 1979,0305,0.428.6

 
Museu Britânico, 1979,0305,0.428.11

 

 

A colecção de Paul Thiran não tinha um exemplar de A Grande Onda (ou, pelo menos, ele não foi apresentado na exposição na Casa-Museu Anastácio Gonçalves). Mas contemplava um exemplar de O Monte Fuji sobre as ondas (Kaijo no Fuji), integrada na série Cem Vistas do Monte Fuji (Fugaku Hyakkei), publicada em 1875.

 

Katsushika Hokusai, O Monte Fuji sobre as ondas, 1875
 

 
 Foram igualmente exibidas duas gravuras da mesma série: O Monte Fuji visto através de uma floresta de bambus (Chikurin No Fuji) e O Monte Fuji debaixo de um nevão (Shinsetsu no Fuji). Utiliza-se aqui, para a primeira gravura, a imagem pertencente à Chester Beatty Library, de Dublin (aqui) e, para a segunda, ao Vejen Kunstmuseum, da Dinamarca (aqui). 
 
 


 
 
    


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